13/07/2023

Chinaman Integral

Com um toque oriental

Descobertos a bom preço, a compra destes integrais foi irresistível, apesar da quase total ausência de referências, para além das certezas que garante a assinatura de Serge Le Tendre como argumentista. E, claro, pelo ‘fraquinho’ que tenho por westerns.
E ainda bem, porque Chinaman, lido quase em maratona ou mais exatamente ao longo de uns 12/15 dias, e com outras leituras pelo meio, revelou-se uma agradável surpresa.

Um western sólido, sim, mas com duas notas distintivas, fortes e suficiente interessantes para obrigar a leitura continuada.

A primeira nota, vai para a nacionalidade do protagonista: um chinês nos Estados Unidos, na época de desbravamento do território e da construção do caminho de ferro que ligaria o país de costa a costa. Essa nacionalidade, acrescenta à obra duas características inovadoras e recorrentes ao longo da saga: o sentido de honra oriental e a forma de lutar, baseada nas artes marciais.

A segunda nota, fortemente relacionada com a primeira, é a exposição do racismo dos brancos, aqui em relação aos amarelos, pelo medo da diferença, das diferenças, de serem ultrapassados e finalmente expulsos do que até então era seu, pelos imigrantes vindos do outro lado do mundo

Saga composta por nove álbuns, aqui reunidos em três integrais que têm como parco extra, as ilustrações imaculadas das capas dos álbuns, Chinaman foi originalmente publicada entre 1997 e 2007, a um ritmo de praticamente um álbum por ano, o que contribuiu certamente para a consistência e unidade do todo. Ou quase, porque os dois álbuns finais, soam um pouco a uma tentativa de prolongar (o sucesso? de) uma série que teria fechado muito bem no final do sétimo tomo, Affrontements à Blue Hill, apesar da óbvia e gritante ponta solta que fica no seu final - e que depois não encontra resposta.

O seu protagonista é Chen que, acompanhado de Chow, amigo e companheiro de armas, chegam aos Estados Unidos como guarda-costas de um senhor chinês, que chega ao país com a missão de travar as tríades que lá operam. Um trágico drama amoroso vai levar os dois amigos, especialistas nas artes de luta chinesa, para campos opostos, transformando a grande amizade numa inimizade profunda potenciado pelo sentido de honra oriental, e fazer de Chen um fugitivo, sob a nova identidade de Chinaman.

Se se podem definir três ciclos principais em Chinaman, os nove episódios são auto-conclusivos mas a leitura do conjunto permite uma maior empatia pelo protagonismo e, principalmente, ter uma ideia mais ampla de um momento marcante da História dos Estados Unidos da América, surgindo como triste curiosidade o facto do espírito racista que parece fazer parte do ADN americano já existir há cerca de 150/200 anos e ter permanecido até aos nossos dias, embora sucessivamente direccionado para diferentes alvos: os pele-vermelhas, os negros, os chineses, os italianos, os irlandeses, de novo e sempre os negros, ou ainda os mexicanos…

O relato, que assenta em diversas maquinações pela disputa de terrenos e valores monetários, é marcado por sucessivas mudanças de orientação, embora o drama e a tragédia sejam uma constante na vida de Chen, fugitivo num país estrangeiro, alvo de racismo e xenofobia e olhado sempre com desconfiança, mesmo quando as suas acções são benéficas - e generalizando aqui, mesmo quando (os chineses) fazem o que ninguém quer fazer, e fazem-no bem.

E afinal, tudo o que Chen deseja é uma vida tranquila e sossegada, se possível com amizades sólidas ou até a bênção do amor - mas sempre com a sombra do ódio humano a pairar, com a inevitável violência (e danos colaterais) a reboque.

Se este centrar da narrativa na humanidade do protagonista é o principal destaque, os amantes de westerns mais tradicionais encontrarão também aqui os inevitáveis perseguições, tiroteios e violentos confrontos, abrilhantados pelo recurso à elegante utilização das artes marciais por Chen e Chow, que uma e outra vez se reencontrarão, sempre em situações limite e incontroláveis.

O trabalho gráfico de Olivier Taduc, com uma planificação de base tradicional mas diversificada e ao serviço do relato, assenta num sólido traço realista, credível e dinâmico, que é servido por um colorido forte e agradável, que ajuda a caracterizar os diferentes momentos e situações, foi mais um ponto positivo a contribuir para uma boa (e longa) leitura.


Chinaman - Integral #1 a #3
Serge Le Tendre, Olivier Taduc e Chantal Vincentelli-Ta (história)
Serge Le Tendre e Olivier Taduc (argumento)
Olivier Taduc (desenho)
Dupuis
Bélgica, 2021
237 x 310 mm, 160 p. (cada), cor, capa dura
25,00 €

(imagens disponibilizadas pela Dupuis; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)

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