14/07/2023

O Mercenário #4 e #11

Mudanças na continuidade

Reconheço méritos e ingredientes para o sucesso da série O Mercenário, sei de muitos que a apreciam - e sei-o desde os seus primeiros tempos na revista CIMOC nos anos 1980, até ao seu relançamento recente pela Ala dos Livros.
Apesar disso, não me conto entre os apreciadores indefectíveis da série e não consigo deixar de lhe apontar a falta de dinâmica do traço e alguma simplicidade nos argumentos.

O que não me leva a questionar o seu relançamento nos nossos dias, longe disso, escudado no que expressei nas primeiras linhas deste texto e na boa reacção dos leitores às novas edições que, pelo seu acabamento, cuidado e apuro gráficos fazem jus à base que sustenta as aventuras fantásticas de um guerreiro nos brumosos anos 1000, num território imaginário, habitado por monges, belas mulheres, dragões voadores e outros monstros, numa época carregada de anacronismos: a pintura a óleo. Que reconheço, foi um dos grandes trunfos de Segrelles e, nalguns meios, catapultou (est)a banda desenhada para um estatuto que nunca tinha adquirido.

Foi isso que reencontrei, agora, no quarto tomo, O Sacrifício, em que Segrelles ainda desenvolvia o mundo fantástico em que se desenrola a série, com uma missão de resgate, após várias peripécias e alguns momentos bem conseguidos narrativamente (como a sequência de abertura), a terminar de forma trágica e com uma evocação que deixo aos leitores (da minha geração…?) descobrirem.

E, continuando a aposta nesta série de forma que parece sustentada e editorialemnte bem pensada - na teoria pelo menos pois, como sempre, só os resultados de vendas permitirão comprová-lo… - a Ala dos Livros acompanha aquela reedição - os tomos #1 a #9 foram atempadamente editados pela Meribérica/Líber nos anos 1980/90 - com uma novidade absoluta entre nós, o volume #11, A Queda.

Com o senão - para mim, pelo menos - de este último pertencer à época em que o autor trocou a pintura tradicional pela aplicação de cor digital. E, mesmo que tenha procurado obter os mesmos efeitos em computador, (aos meus olhos) não o conseguiu, retirando - digo eu… - o aspecto inovador que fazia de O Mercenário uma série distinta. Porque, nesta opção legítima, o desenho perde em textura - sem as ‘imperfeições’ e as marcas que o pincel deixava - embora, para alguns, possa ter ganho em luminosidade e definição, numa história a que faltaram algumas páginas para uma melhor explanação dos vários momentos de uma trama que, curiosamente, tem por base, desta vez, uma busca de carácter humanitário.

Ambos os volumes encerram com imagens de grande tamanho e diversas explicações do autor, na primeira pessoa, sobre as suas ambições, técnicas e preferências, o que faz deles documentos bastante interessantes, mesmo para quem aprecia menos a série.


O Mercenário #4 - O Sacrifício
O Mercenário #11 - A Queda
Vicente Segrelles
Ala dos Livros
Portugal, Julho de 2023
235 x 310 mm, 64 p. (cada), cor capa dura
21,90€

(imagens disponibilizadas pela Ala dos Livros; clicar nesta ligação para ver mais pranchas ou nas aqui reproduzidas para as aproveitar em toda a sua extensão)

3 comentários:

  1. Tenho há muito tempo toda a série (Meribérica) agora enriquecida com os volumes 10 e11 da Ala dos Livros. Nunca a tinha lido mas resolvi trazê-.la para férias. Estar no silêncio de uma praia selvagem envolvido pelo marulhar das ondas a ler Mercenário pela primeira vez foi uma experiência muito boa. Obrigado Vicente Segrelles. Penso que a saga perdeu qualidade argumentativa nos últimos volumes como perdeu, a meio dos GIGANTES, a particularidade rara da pintura a óleo. De qualquer dos modos, MERCENÁRIO merece uma distinção no jardim de delícias da BD. Claro que para isso temos de acreditar em dragões...

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  2. Um Jorge que não acredita em dragões, tá bonito, tá...

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    1. Claro que acredita, viu uma superbesta dessas à frente e matou-o. O Santo...

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