Cebolinha: Recuperação

Camadas

Por vezes, há termos ou frases que se revelam extremamente felizes para definir uma obra. Maurício de Sousa foi-o no prefácio em relação a este Cebolinha: Recuperação, definindo-o como “uma trama com muitas camadas (…), exactamente como uma cebola”.

Mas, antes de irmos ao livro, que comprova que Gustavo Borges é um autor - também publicado por cá - a seguir atentamente, justifica-se uma explicação para o título, Recuperação, em relação ao significado que aqui assume, sem paralelo em Portugal a este nível de ensino. Na história, Cebolinha, mais preocupado em confrontos com um novo aluno da sua turma, não se aplica no estudo e acaba por reprovar, tendo de passar por um período de tempo - a tal ‘recuperação’ - em que se prepara para ser novamente avaliado.

A par dessa questão, que não é de somenos importância, porque aborda a responsabilidade exigível à criança que o protagonista é, a história de Gonçalo Borges espraia-se a diversos níveis, as tais ‘camadas’.

A mais evidente e literal, é a miríade de ‘planos infalíveis’ que, com diversos propósitos, o Cebolinha vai imaginando, quase todos condenados ao habitual e estrondoso fracasso. Para além daqueles que dizem respeito à Mônica e ao seu coelhinho, em particular, ou a diversos aspectos da sua interacção com ela, o Cascão e a Magali, em geral, há-os também relacionados com a chegada de Roberto, o tal aluno novo, e à imediata rejeição e competição que entre os dois vai nascer, o que nos leva a outra camada, a do preconceito fácil para com quem desconhecemos.

Mas, continuando na senda dos ‘planos infalíveis’, uma outra série dos que ele aqui cria dizem respeito ao grave problema que a família Cebola atravessa, após o despedimento do pai e os inevitáveis atritos e afastamentos que, a diversos níveis (familiares), a nova situação provoca. E se nas restantes ‘camadas’ Gustavo Borges nos apresenta, com o seu traço nervoso, dinâmico e expressivo o Cebolinha que já (re)conhecemos, impulsivo e repentista, aqui leva-nos a descobri-lo sob o manto da ingenuidade infantil, por acreditar que o pouco que pode fazer resolverá o problema, mas também como uma criança com um coração enorme que ama os pais e se dispõe a tudo por eles.

É através destas diferentes camadas, que se sobrepõem sem se anularem e permitem leituras a vários níveis, que Gonçalo Borges consegue abordar um tema sensível e muito complicado, emocionando o leitor com naturalidade, sem puxar ao drama nem à lágrima, conseguindo ao mesmo tempo ser sério e divertido, deixar um nó na garganta e fazer rir e projectar a forte personalidade de um Cebolinha que (re)descobrimos com prazer, pela primeira vez protagonista no selo Graphic MSP.

Cebolinha: Recuperação
Gustavo Borges
Panini Comics
Brasil, Dezembro de 2022
190 x 275 mm, 96 p., cor, capa cartão
R$ 59,90

(imagens disponibilizadas pela Panini Comics e o editor Sidney Gusman; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão; clicar no texto a cor diferente para saber mais sobre os temas destacados)