06/12/2023

Bouncer #12 Hecatombe

Limpeza geral



Lido este volumoso tomo, a cena inicial revela-se quase premonitória. A torrente, criada pela chuva intensa que, em lugar de lavar e purificar, arrasta toda a porcaria que encontra pelo caminho - e até os caixões desenterrados do cemitério local - para as ruas de Barro-City, irá obrigar a uma limpeza geral.

Talvez não aquela que os (ainda) não leitores neste momento imaginam, mas vou tentar que as linhas que se vão seguir não desvendem mais do que o estritamente necessário sobre este duplo regresso: o de Jodorowsky, ao argumento, e o de Bouncer, no reencontro com os seus leitores.

Que - e contra mim falo - deviam avaliar a sua saúde mental porque, apreciar efusivamente um western em que a brutalidade, a crueldade e a amoralidade imperam, não abona muito - a meu - e a seu favor.

Relembro que em volume anterior, Bouncer viu-se na posse de uma pequena (grande) fortuna em lingotes de ouro, o género de artigo que tem o condão de atrair todo o tipo de indesejáveis e fora-da-lei, desejosos de se spoderarem dele antes antes que sejam transferidos para um banco com maior segurança.

É o que acontece em Hecatombe, embora, para ser franco, a previsibilidade termine liminarmente aqui, porque nem todos os recém-chegados são quem parecem - e serão muitas as surpresas (desagradáveis) ao longo do relato - nem o desenvolvimento da história levará onde os leitores estarão a imaginar.

Para chegar ao seu final, o maneta que a protagoniza terá de recorrer a todos os seus truques sujos e a toda a violência de que é capaz, para além de encontrar no seu íntimo forças para enfrentar todas as adversidades, com a certeza de que outros se encarregarão de levar essa violência (muito) mais longe, contribuindo para a tal ‘limpeza geral’ referida acima, que vos deixo descobrir numa leitura que se revelará intensa, extremamente violenta, surpreendente e dolorosa, pois Jodorowsky, fazendo jus à sua fama, embora com uma inesperada contenção quanto ao lado místico que sempre surge na sua escrita, embora o ‘toque final’ fosse de todo desnecessário, transformou esta narrativa numa verdadeira ‘hecatombe’ que, se abre novos rumos e perspectivas a futuros regressos de Bouncer, deixa uma pungente sensação de assombro e dor pela facilidade com que a umbilical violência humana consegue levá-los a apagar os seus semelhantes.


Bouncer #12 Hecatombe
Alejandro Jodorowsky (argumento)
François Boucq (desenho)
Arte de Autor
Portugal, Outubro de 2023
232 x 310 mm, 144 p., cor, capa dura
31,00 €

(imagens disponibilizadas pela Arte de Autor; clicar nesta ligação para ver mais pranchas ou nas aqui reproduzidas para as aproveitar em toda a sua extensão; clicar nos textos a cor diferente para saber mais sobre os temas destacados)

3 comentários:

  1. Chiça, o Jodorowsky ainda escreve argumentos? já tem 94 anos e parece que continua tão violento e grotesco como sempre.

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    1. Escreve e bem! Menos místico - o que eu agradeço! - mas com a extrema violência que caracteriza a sua obra.
      Boas leituras!

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    2. E verdade! nunca fui fã da faceta mística do Jodorowsky, ele consegue ser perfeitamente salutar e estimulante sem isso.

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