26/02/2024

Blacksad #7

A unanimidade que 'Blacksad' justifica

Sei que a unanimidade é perigosa mas no caso de Blacksad é impossível não ficar deslumbrado pelo originalidade da sua estrutura, pela qualidade das histórias e pela desenvoltura do traço desta criação dos espanhóis Juan Díaz Canales e Juanjo Guarnido
O título mais recente Então, tudo cai é, até agora, o mais ambicioso da série e talvez por isso foi necessário dividir a história por dois álbuns - e sobre o primeiro, já escrevi aqui - que a Ala dos Livros já disponibilizou em português, reproduzindo as capas originais que compõem uma imagem única (ver acima), com quatro dos principais intervenientes e a coragem da segunda não ter o protagonista.

Ambientada numa Nova Iorque efabulada, a história passas-se há décadas atrás, mas soa estranhamente actual, pois combina ambições pessoais, interesses imobiliários e ligações perigosas entre políticos e gente pouco recomendável, numa trama repleta de segredos incómodos, em que os passados de algumas personagens as atrapalham e os cadáveres se vão multiplicando.

A par deste contexto mais genérico, em que artee progresso parecem servir propósitos antagónicos, o protagonista, que dá título à série, reencontra antigas ligações, como sempre escolhe o lado errado das trincheiras e acabará por pagar caro as suas opções, fazendo, também ele jus ao título que aponta para a finitude da impunidade das injustiças e dos negócios esconsos, sem que isso implique nenhum fundo nem lições de moral.

Policial negro, contido nos diálogos, deixando que arte - e que arte! e que cores! e que jogo de sombras! - de Guarnido tenha a primazia na narração da história - revela no entanto como Canales é extremamente assertivo e certeiro nas palavras que coloca na boca das tuas personagens com uma qualidade de escrita peculiar e uma enorme capacidade de transmitir muito com pouco.

E se, adequadamente, numa história que também tem ligações com a representação e o teatro, o tom de tragédia vai aumentando página a página, nenhum leitor estará preparado para a cena final, monumental e ao mesmo tempo representativa da pequenez do ser humano ou, em Blacksad, dos animais antropomórficos que nos espelham e representam de forma tão forte, marcante e reveladora.

...porque na verdade é, “então, (que) tudo cai”.


Blacksad: Então, tudo cai
Juan Díaz Canales (argumento)
Juanjo Guarnido (desenho)
Ala dos Livros
Portugal, 2023
235 x 310 mm, 56 p., cor, capa dura
17,50 €

(versão revista do texto publicado na página online do Jornal de Notícias de 16 de Fevereiro de 2024 e na versão em papel do dia seguinte; imagens disponibilizadas pela Ala do Livros; clicar nesta ligação para ver mais pranchas ou nas aqui reproduzidas para as aproveitar em toda a sua extensão; clicar nos textos a cor diferente para saber mais sobre os temas destacados)

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