12/02/2024

Clássicos da Literatura Portuguesa em BD #2 Farsa de Inês Pereira

Ousadia concretizada


Na abertura, com a Mensagem, desta colecção Clássicos da Literatura Portuguesa em BD, como já o tinha feito aquando do lançamento do Auto da Barca do Inferno, defendi a não utilização dos texto originais, naturalmente de leitura (mais) difícil, mas sim de uma versão com o texto original adaptado à linguagem dos nossos dias.
André Morgado teve a ousadia - acredito que alguns dirão desfaçatez ou até desrespeito… - de o fazer.

Não vejam nesta minha posição uma birra ou teimosia. Parece-me que, se o objectivo desta iniciativa da Levoir e da RTP é dar a conhecer a novas gerações algumas das obras-primas da nossa literatura, será fundamental que isso seja feito numa linguagem acessível - tal como o é a banda desenhada e por isso é aqui usada. Para ler os textos originais, já existem as versões em livro; utilizar uma linguagem actualizada permite dar a compreender melhor a trama.

Obviamente, isto não pode ser feito de qualquer forma, mas André Morgado nesta sua versão da Farsa… - e usar outra linguagem, a nível criativo também serve para que o autor personalize e torne mais sua a obra - conseguiu transformar os versos originais de Gil Vicente numa leitura (re)nova(da) que, mesmo rimando e mantendo por isso uma certa musicalidade do original que constitui um atractivo extra para a leitura, utiliza termos atuais perfeitamente compreensíveis para o público alvo a quem estes livros se dirigem. Mesmo sabendo-a injusta - desde logo pelas diferenças intrínsecas dos originais - não escapo a fazer a comparação entre as adaptações dos poemas da Mensagem e da crítica social da Farsa..., e entre o tom tão onírico e subjetivo do primeiro face à literalidade do segundo, mas tenho para mim que esta opção assinada por Morgado e Costa deveria ser a que devia ser seguida por todos os autores desta colecção.

Porque, para a compreensão e facilidade da sua leitura - e não confundam estes termos com facilitismo… - contribui também de forma significativa o traço do brasileiro Jefferson Costa - que alguns conhecerão das Graphic MSP de Jeremias, Pele e Alma que, podendo aqui não ser muito atractivo tout court, se revela extremamente dinâmico e funcional naquilo para que foi utilizado: contar uma história, conferindo-lhe volume, ritmo e dinâmica de forma invulgarmente eficaz. E, ao mesmo tempo, conferir-lhe o tom de brejeirice que já marcava o original vicentino.


Nota final

Admirador confesso do modelo das capas da anterior coleção Clássicos da Literatura em BD, penso que a Levoir e a RTP foram especialmente felizes na troca do branco imaculado dos fundos por cores adequadas ao estilo gráfico adotado em cada uma das adaptações e em multiplicar as personagens extraídas das pranchas, colocadas a par dos títulos e do nome dos autores.

A variação da cor de fundo facilita a distinção entre os títulos; a multiplicação de elementos ajuda a que as capas se tornem mais atractivas e os olhares se demorem mais nelas.


Clássicos da Literatura Portuguesa em BD #2 Farsa de Inês Pereira
Adaptação da obra original de Gil Vicente
André Morgado (adaptação e argumento)
Jefferson Costa (desenho)
José Augusto Cardoso Bernardes (dossier)
Levoir/RTP
Portugal, 6 de Fevereiro de 2024
210 x 285 mm, 57 p., cor, capa dura
15,90 €

(imagens disponibilizadas pela Levoir; clicar nesta ligação para ver mais pranchas ou nas aqui reproduzidas para as aproveitar em toda a sua extensão; clicar nos textos a cor diferente para saber mais sobre os temas destacados)

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