03/06/2024

O regresso de Lagaffe

Eu, preconceituoso





O ser humano é preconceituoso. Eu, pelo menos sou. Por vezes mais do que imaginava. Por isso, custou-me imenso abrir este livro. A leitura, não iludiu o espírito com que a iniciei.

Não é a primeira vez que pego num livro com uma ideia formada - boa ou má. Acontece de vez em quando porque é difícil evitar ouvir/ler o que outros já disseram/escreveram sobre as obras.

No caso de O regresso de Lagaffe, o 'ruído' começou pela questão judicial que opôs a editora Dupuis à filha de André Franquin. Apelando ao direito moral, esta última tentou evitar a retoma da obra-prima do seu pai, mas acabou por não ter sucesso.

Depois, surgiu a informação como Delaf - responsável pela retoma - 'trabalhou' o traço do mestre: copiando dezenas de poses do protagonista - só? - para depois as aplicar conforme as situações. As críticas subsequentes, não contribuíram para atenuar a minha posição.

Se tudo isto já me incomodou bastante, o facto de considerar Gaston Lagaffe uma criação profundamente pessoal - uma catarse com humor para um homem profundamente depressivo? - levava-me a pensar que seria melhor que nunca fosse retomada.

Obviamente, sei que antes dessas considerações, discutíveis, a questão financeira surge primeiro e este regresso de Lagaffe era antecipadamente garantia de dinheiro em caixa. Por isso, também (?) a edição da ASA - oportuna em termos editoriais - com que sinceramente não contava.

Mas vou deixar-me de rodeios, para enfiar - profundamente... - o dedo na ferida.

Já o escrevi: aproximei-me do livro cheio de preconceitos e, caso raro, custou decidir-me a abri-lo. Aconteceu após alguns dias, a leitura foi feita de uma só vez, a desilusão - preconceituosamente aguardada - confirmou-se. Não basta copiar poses, chamar personagens conhecidas, usar situações já experimentadas, repetir os gags com ligeiras variações. Para que eles resultem - para que resultem ao nível de um Gaston Lagaffe - é necessário génio. Franquin, tinha-o sem dúvida; Delaf, é um fraco continuador. E de génio, aqui, não mostrou nada.

Nas 44 pranchas auto-conclusivas (embora haja algumas com continuidade, nomeadamente na parte final) sorri, concedo, uma meia dúzia de vezes, sublinho a boa escolha da continuidade da época da acção mas, a leitura começada com ritmo de cruzeiro, com o avançar no livro foi-se tornando mais arrastada. As situações raramente fugiram ao 'mais do mesmo' - e Franquin era genial no solucionar de formas diferentes situações similares - as 'justificações' finais de cada gag eram desnecessárias, e ao traço, 'decalcado', falta a leveza, o movimento e a dinâmica explosiva que era apanágio do criador belga original.

Chegado aqui, confesso que não sei quanto desta (má) experiência de leitura se deve aos preconceitos iniciais que assumidamente eu tinha. Quero crer - já aconteceu noutras ocasiões - que sou capaz de os ultrapassar e fruir uma leitura quando tal (me) é possível. Neste caso, não foi. Deixo a palavra a outros...


Gaston #22 - O regresso de Lagaffe
Delaf
ASA
Portugal, Maio de 2024
223 x 308 mm, 48 p., cor, capa dura
12,90 €

(imagens disponibilizadas pela ASA; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão; clicar nos textos a cor diferente para saber mais sobre os temas destacados)

4 comentários:

  1. José Vidal4/6/24 20:07

    Não concordo. Gostei bastante deste album e respeita o espirito do original.

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    1. É tudo uma questão de opinião, ambos temos razão.
      Boas leituras!

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  2. Não li, nem o vou ler. Tenho o mesmo sentimento com a personagem Achille Talon.

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    1. Quanto mais forte é a nossa ligação com as personagens, mais difícil é encarar estas 'ressurreições'...
      Boas leituras... antigas!

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