16/10/2024

A educação física

Pedacinhos



A educação física - mais uma aposta da Iguana na criação nacional - é um é um conjunto de retratos soltos de pessoas dos nossos dias, um retrato tristonho e até sombrio, sobre amizades, relações e a busca pela felicidade. Um conjunto de pedacinhos de vidas tangenciais, apanhados aqui e ali, de gente que quer viver mas que não sabe como, que só consegue sobreviver.

Gente nova - na relatividade que o termo implica - que já passou os 20, que está a chegar aos 30, mas que ainda vive com os pais, que aceita partilhar relações, que revela incapacidade de escolher os caminhos a seguir, que persegue sem chama sonhos ou ideais, sejam pequeninos (?) como ir regularmente ao ginásio ou não fumar, ou outros claramente mais ambiciosos (?) como trabalhar na área do curso que se tirou ou (vir a) ter (um dia...) uma casa no campo...

A protagonista, Laura, é exemplo do que atrás genericamente ficou escrito. Recebeu uma bolsa literária e tem um ano para escrever o livro que se propôs. Mas o dia-a-dia, as pequenas grandes escolhas (algumas já referidas) que tem de fazer, o medo de se lançar naquele sonho (?) levam-na a adiar o seu início. As amigas, o namorado casado, a própria mãe, são apenas pontes com uma certa (ir)realidade que parece inultrapassável.

Joana Mosi que já tinha revelado a sua capacidade de 'espreitar' vidas em Altemente ou O Mangusto, surge aqui (ainda mais?) subjectiva, mas a verdade é que por detrás das manchas de imagem ou dos textos, subentende-se uma objetividade extrema, porque o retrato que ela traça soa, real, próximo, desconfortável... Quase apetece perguntar quanto de Mosi há em Laura e nas suas amigas, por essa sensação de real que o livro transmite, num retrato da indefinição em que vivem uma, duas gerações recentes, que se sentem perdidas, que não conseguem concretizar objetivos, encontrar-se, realizar-se...

Em vésperas do Dia Nacional da Banda Desenhada Portuguesa, que terá - deverá ter - como um dos objectivos levar as pessoas a ler mais BD de criadores nacionais, este não será um dos livros mais aconselháveis, porque está longe de ser fácil nem sequer de consensos, não é directo nem linear - não tem princípio nem fim... - implica uma certa bagagem de leitura de banda desenhada para o leitor ser capaz de o ler: descodificar os silêncios, o lentificar do tempo, os paralelismos de algumas manchas gráficas, a importância dos estilos díspares, as diferentes marcações do tempo e dos ritmos, o significado dos tempos mortos...

...mas, paradoxalmente, este é um daqueles livros que dá sentido ao tal dia que celebra a BD nacional, porque mostra o quanto (ess)a banda desenhada portuguesa cresceu nos últimos anos e como (já) consegue afirmar-se, gráfica e tematicamente, adulta, livre de preconceitos, amarras, limitações e estereótipos, para se afirmar uma Arte com 'A' maiúsculo, de corpo inteiro, capaz de ser diferente e de assumir a(s) sua(s) diferença(s).


A educação física
Mosi
Iguana
Portugal, Outubro de 2024
170 x 240 mm, 176 p., pb + 1 cor, capa mole com badanas
19,45 €

(imagens disponibilizadas pela Iguana; clicar nesta ligação para ver maispranchas ou nas aqui reproduzidas para as aproveitar em toda a sua extensão; clicar nos textos a cor diferente para saber mais sobre os temas destacados)

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