O presente visto 40 anos antes
Pode
- e deve - ser um dos destaques deste ano em BD: o lançamento pela
Devir de uma colecção que recupera oito das obras distinguidas com
o Grande Prémio de Angoulême.
Pela
inegável qualidade das obras em si - quatro das quais inéditas em
português; as outras há muito esgotadas no mercado - e pela maior
aposta da editora neste segmento.
Mas
nem tudo são rosas.
A coleção da Devir emula uma coleção original da Casterman, com as suas obras distinguidas naquele festival, criada a propósito dos 50 anos dos prémios de Angoulême; por esse motivo, só publicará obras provenientes do catálogo daquela editora francesa.
[A título de curiosidade, refira-se que em relação à colecção original, ficaram de fora cinco obras, já com o selo de outras editoras nacionais, a saber: Corto Maltese - A Balada do Mar Salgado e Jonas Fink (Arte de Autor), Ici Même e Traço de Giz (Levoir) e Verão Índio (Ala dos Livros)].
Convém frisar que uma colecção deste género - de edição única e existência de curta duração - faz mais sentido num mercado como o francófono, em que estes livros conviveram com as edições normais, tendo como principal público-alvo aqueles que geralmente não lêem banda desenhada. Naquele mercado de dimensão incomensuravelmente maior, em que não é necessário pagar tradução, legendagem ou os direitos originais, as novas edições apresentaram-se a um preço muito apelativo (12 €), sendo que o volume inaugural da colecção portuguesa quase duplica o valor (22€), mesmo assim relativamente baixo para um livro com 180 páginas a cores, no actual mercado português.
Claro, há outra razão para estes preços convidativos: o facto da coleção francesa se apresentar em formato (livro, 183 x 260 mm), inferior aos álbuns originais; a edição da Devir reduz um pouco mais a dimensão, para 177 x 248 mm, mas em contrapartida apresenta uma sólida capa dura.
Se alguns casos esta redução é bem aceite pelas características intrínsecas da planificação e do grafismo dos autores, noutros casos a leitura sai prejudicada. É o que acontece com A Trilogia Nikopol a que claramente falta a dimensão mais ampla do álbum tradicional (no mínimo) - e a título de exemplo gritante veja-se logo a primeira prancha, mesmo que este seja um exemplo algo forçado e ingrato, que no entanto se vai repetir ao longo de todo o livro.
Os problemas de leitura são especialmente notórios no primeiro e último relato desta trilogia uma vez que no intermédio Bilal aligeirou a planificação, reduzindo o número de tiras e vinhetas por página
Aos que torcem o nariz à edição - com as razões já apontadas para isso - podemos perguntar se alguns leitores portugueses não gostarão de ter alternativas mais baratas como esta, mesmo sacrificando os aspectos citados. Por isso, nomeadamente àqueles que não possuem as anteriores edições portuguesas da Meribérica e da ASA, resta fazer a ponderação entre o benefício de lerem uma obra de referência que mantém toda a qualidade e relevância de quando foi publicada ou optarem por passar sem ela ou por uma edição noutra língua.
Estas palavras não põem causa a qualidade da edição da Devir, em capa dura, bom papel, boa impressão e uma bela capa, a que só se pode apontar o (tal) formato.
A história tem início numa Paris futurista e distópica, após duas guerras nucleares, formada por uma zona central, onde habitam os mais ricos e poderosos, e uma zona circundante onde a degradação das condições de vida é notória. Ameaçada por uma pirâmide habitada por antigos deuses egípcios imortais, a cidade vê regressar à Terra uma cápsula espacial lançada três décadas antes, no interior da qual se encontra Alcides Nikopol um condenado que passou esse tempo em hibernação criogénica.
Apesar de fazer todo sentido a sua junção enquanto trilogia, a verdade é que esta é uma classificação atípica uma vez que cada uma das narrativas - A Feira dos Imortais, A Mulher Armadilha e Frio Equador - pode ser lida de forma independente, apesar das óbvias conexões entre elas. Em comum, têm acima de tudo o momento em que decorrem e a presença de Nikopol e de um dos deuses egípcios nos três relatos, embora Jill Nikopol, uma jornalista independente, seja figura central dos dois últimos.
O traço de Bilal é magnifico na recriação de atmosferas opressivas e sobrecarregadas, e é servido por um superior trabalho de cor, já de si notável. Nnum relato que decorre à sombra opressiva das memórias das ditaduras comunistas, numa estranha combinação de passado e futuro com saltos e indefinições temporais, humanidade e sobrenatural, jornalismo e policial, e antes de tudo, realidade palpável, utopias e distopias e paranóias concretizadas ou apenas sugeridas, a leitura obriga a atenção redobrada e à capacidade de ir preenchendo ou interpretando o que nalguns casos é apenas sugerido a leitores atentos, submissos ou sugestionáveis.
A
Trilogia Nikopol
Enki
Bilal
Devir
Portugal,
Março de 2025
177
x 248 mm, 180
p., cor,
capa dura
22,00
€
(versão revista e aumentada do texto publicado no Jornal de Notícias online a 29 de Março de 2025 e na edição em papel do dia seguinte; imagens disponibilizadas pela Devir; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão; clicar nos textos a cor diferente para saber mais sobre os temas destacados)
Então mais vale comprar a edição anterior praí de 2005...
ResponderEliminarDepende da opção de cada um...
EliminarMas para comprar as edições antigas, soltas ou em volume integral, é preciso encontrá-las...
Boas leituras!
Esta edição é um nojo! peguei nela e pensei logo que ou era uma partida ou se tinham enganado.
ResponderEliminarVejamos a mesma trilogia na edição Espanhola: 322x241x20 (184 páginas), na versão Francesa: 243x308x20 (183 páginas).
Mas o Enki Bilal está ao corrente desta porcaria? duvido muito.
22€ é barato?
Acredito que esteja - ou o agente dele - devido à edição francesa.
Eliminar22€ não é barato, mas é mais acessível quando se compara com os preços que atingem outras edições coloridas nacionais sensivelmente com o mesmo número de páginas.
Mas, como sempre, só compra quem quer (e pode...).
Boas leituras!
Ninguém mas ninguém que goste da obra e pretenda ter um volume de capa dura da trilogia vai gastar dinheiro nisto. Não me teria importado de gastar mais 10-15€ numa edição decente, assim não, os desenhos e planificação não se prestam a um formato que ainda por cima é inferior ao de um comic book.
ResponderEliminarE já agora quais serão os restantes 7 títulos desta colecção ?
ResponderEliminarOs restantes títulos são os seguintes:
Eliminar- Alack Sinner, de Muñoz e Sampayo (Abril)
- O silêncio de Malka, de Pellejero e Zentner (Junho)
- Caderno Azul/Depois da chuva, de André Juillard (Julho)
- Silêncio, de Comés (Agosto)
- Anaïs Nin, de Léonie Bischoff (Setembro)
- O gosto do Cloro, de Bastien Vivés (Outubro)
- Kiki de Montparnasse, de Catel e Boquet (Novembro)
Boas leituras!
Xiça, também vão encolher o Silêncio? ainda bem que preservei a minha edição de 1993 da Bertrand, dado o estilo do Comés (não sei se é versão colorizada), vai parecer um monte de borrões por página. Mas esta era outra em que apetecia ter uma edição mais recente de capa dura, porque a legendagem há 30 anos, nos livros da Bertrand e da Meribérica era mázinha, em termos de tradução e escrita, comparando com agora.
EliminarParece que as restantes serão também em formato reduzido. Como o Pedro refere, este formato faz sentido no mercado francês onde existe a opção de compra em dimensão original. Por cá, parece que não. Ainda por cima, estão a publicar apenas parte da coleção. Se for por uma questão de disponibilidade da obra e mesmo se for uma estreia, a publicação em formato da versão original, teria sido mais lógica. Enfim…
ResponderEliminarEsta coleção não faz sentido para quem é colecionador de BD. Destina-se a iniciados ou a quem não tenha grande disponibilidade em investir em formatos mais "normalizados" (albúm franco belga). É uma coleção de entrada. Em mercados de grande dimensão, onde há possibilidade de escolha, aí sim, faz sentido. Saliente-se que a DEVIR optou por reduzir o já de si pequeno formato da versão francesa. Lamentável.
ResponderEliminarA edição da Asa de 2005 anda pelos 35€, 90€ nos Alfarrabistas, não comprei na altura, devia ter comprado? se calhar, nem estava a contar com o aborto ortográfico que foi implementado mais tarde.
ResponderEliminarAgora, esta edição da Devir só fazia sentido se fosse de capa mole e andasse pelos 15€, na verdade não, os balões são carregados de texto e a letra é demasiado miuda, isto dá cabo da minha vista, tenho 54 anos e Presbiopia, não vou andar com uma lupa vinheta a vinheta.
Enfim, vou pela edição francesa.