Um retrato do homem por detrás do ditador
Quinta obra da coreana Keum Suk Gendry-Kim editada em Portugal, depois dos aplaudidos A espera, que aborda a vida da mãe e a separação das duas Coreias, e Erva, sobre as adolescentes e mulheres que que os japoneses utilizaram como escravas sexuais durante a II Guerra Mundial, O meu amigo Kim Jong-Un, destoa daquelas pelo seu tom menos intimista e pessoal, assumindo um carácter mais semelhante ao do também/a biografia Alexandra Kim, filha da Sibéria.
Completa-se esta listagem com o mais ficcional A árvore despida.
Recém-editado pela Iguana, O meu amigo Kim Jong-Un é uma biografia do líder norte-coreano, que vai além dos elementos conhecidos da versão oficial. Para a traçar, com um desenho que brilha mais quando é só a preto e branco e foge da rigidez necessária para o retrato humano e ganha fluidez em paisagens e nos elementos naturais, Grendry-Kim entrevistou políticos e jornalistas que o conheceram pessoalmente e recolheu testemunhos dos que experimentaram o sucesso ou fracasso das medidas que foi tomando a partir do momento que chegou ao poder e tentou mudar a realidade do seu país e proporcionar aberturas que não se concretizaram.
Uma das grandes mais-valias deste livro é a forma como a autora encadeia a vida do biografado com a sua própria existência, evocando a sua própria história, a sua educação profundamente anti-comunista e patriótica, num tempo em que as crianças da sua idade eram induzidas a denunciar possíveis espiões, a fazerem concursos de insultos contra os norte-coreanos e eram recompensadas por isso.
Desse modo, esvazia o peso da componente histórica da vida de Kim Jong-Un, alternando os factos conhecidos como a educação no estrangeiro, as intrigas familiares e políticas que o levaram a ser o inesperado sucessor do grande líder Kin Jong-Il ou as suas primeiras decisões, com o que ela própria foi vivendo e sentido, mesmo que a alguma distância, como consequência das mudanças que ocorriam no país vizinho.
Essa estratégia de construção da narrativa, contribui por um lado para, de alguma forma, tornar mais humana e possivelmente mais próxima uma figura geralmente envolta em mistério e desconhecimento, e por outro serve de pretexto para mais uma vez espelhar as diferenças, semelhanças e realidades díspares da Coreia do Norte e da Coreia do Sul, o que aporta igualmente uma componente documental a O meu amigo Kim Jong-Un.
O
meu amigo Kim Jong-Un
Keum
Suk Gendry-Kim
Iguana
Portugal,
Setembro de 2025
174
x 242 mm, 288
p., pb
e cor, capa mole com badanas
20,95
€
(versão revista e aumentada do texto publicado na página online do Jornal de Notícias a 12 de Setembro de 2025 e na versão em papel no dia seguinte; imagens disponibilizadas pela Iguana; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão; clicar nos textos a cor diferente para saber mais sobre os temas destacados)
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