26/03/2019

Indeh


Por causa de...


Há obras cuja notoriedade se faz à custa de questões (mais ou menos) acessórias, que não estão intrinsecamente relacionadas com a sua qualidade em si - não a questionando também.
Indeh: Uma história das guerras apaches é um exemplo, sendo o seu 'chamariz' o nome do argumentista: o actor e realizador Ethan Hawke, várias vezes nomeado para os Óscar.
Diga-se desde já que disto não vem mal ao mundo. Se o nome do(s) autor(es), a temática actual ou polémica, a fisionomia das personagens ou outro qualquer aspecto acessório contribui para que se fale de banda desenhada - o que me interessa aqui neste espaço - ou para fazer com que esses livros cheguem a leitores que noutras condições não os leriam, o objectivo foi (bem) alcançado.
E até pode servir para que a editora que opta por um destes 'truques' - quando eles funcionam... - até aproveite as eventuais melhores vendas para apostar noutras edições menos mediáticas mas mais interessantes para quem lê regularmente BD.
Curiosamente - ou talvez não - Indeh nasceu como argumento para um filme, mas os custos que lhe estavam associados, as questões técnicas que levantava, o facto de implicar o protagonismo de muitos actores de ascendência índia e a forma - politicamente incorrecta para os valores estabelecidos hoje na América - como aborda o conflito que opôs brancos a índios na segunda metade do século XIX, durante a chamada conquista do Oeste, impediram a sua concretização enquanto tal. A solução - que não é virgem nem original em casos destes - passou para aproveitar o trabalho feito e transformá-la numa banda desenhada.
Tomada a decisão, Hawke convidou Greg Ruth para a desenhar, escolha que se revelou acertada pois o seu traço realista, expressivo e moderadamente dinâmico, num conseguido trabalhado a preto, branco e, sobretudo, cinzento(s), apesar de descurar alguns fundos, confere autenticidade ao relato, transmite uma dose de emoção contida e, sem cores vivas e chamativas, permite que seja o enredo a ter a primazia e o destaque maior.
Como se infere do subtítulo, a narrativa revela uma visão pessoal do seu autor sobre um tema ainda incómodo no seu país, afastando-se das visões gloriosas que cinema e BD ofereceram ao longo de décadas, centrando-se na forma como os apaches de Geronimo e Cochise, foram (mal-)tratados pelo exército norte-americano.
Não trazendo nada de realmente novo para quem já sabe antecipadamente 'como a história termina' ou para quem já leu alguns westerns modernos em que brancos e índios não são apenas estereótipos puros, mas sim retratos de seres humanos, esta não deixa de ser, assumidamente, uma visão menos heróica e épica, seja qual for o ponto de vista - dos brancos, dos peles-vermelhas, dos... - que se olhe para ela.
Das visões de grandeza que alguns dos grandes chefes índios tiveram à sua derrota e - muitas vezes - aniquilação, Indeh retrata as guerras apaches como uma sucessão de mal-entendidos, de traições interesseiras e de vinganças disfarçadas, que opuseram duas nações, uma invasora, outra invadida, que opuseram a cobiça e a incompreensão da diferença à luta pela liberdade e que, inevitavelmente, terminou com a vitória do mais forte e o quase extermínio do mais fraco.

Indeh: Uma história das guerras apaches
Ethan Hawke (argumento)
Greg Ruth (desenho)
G. Floy
Portugal, Fevereiro de 2019
215 x 275 mm, 240 p., pb, capa dura
22,00 €

(imagens disponibilizadas pela editora; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)

2 comentários:

  1. A mim soube-me a pouco.
    Visualmente excelente mas sem grande profundidade no argumento.

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    1. Não diria que soube a pouco, mas ficou abaixo das expectativas...
      Boas leituras!

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