27/03/2019

La Primavera del Comisario Ricciardi: La condena de sangre

Sob o signo da miséria

Segundo volume de adaptação dos romances de Marcello de Giovanni, proposto pela Sergio Bonelli Editore com a participação empenhada do criador, o segundo inquérito do Comissário Ricciardi, se passa dos rigores do Inverno para a mais acolhedora Primavera, continua a espelhar toda a frieza e as agruras de uma Nápoles sob a sombra crescente do fascismo crescente, personalizado em Benito Mussolini, onde os habitantes apenas sobrevivem.
Sobrevivem num clima de miséria - financeira, social, moral - vivendo o dia-a-dia sob o peso de não saberem o que (de mau) lhes trará o seguinte.
Por isso, num meio assim, nestas condições, não surpreende que floresça a primeira protagonista deste livro, Carmela Calise, vidente e leitora de cartas que alimenta os sonhos de quem a procura desesperada, mas a quem também afunda cada vez mais na miséria à custa dos juros elevados que cobra na sua outra faceta de usurária.
O seu assassínio, (sem surpresa) invulgarmente violento, trará à ribalta o (incomum) comissário Ricciardi. Homem de poucas palavras, observador, consumido pela capacidade que tem de ver e ouvir as vítimas de crimes violentos nos locais por onde passa, que vive dividido entre o seu dever de descobrir os criminosos, a faceta humana como encara cada novo caso e a paixão platónica que sente pela vizinha que observa cada noite da sua janela.
Numa história sórdida, em que outros crimes se vão cruzar com o principal, acompanhamos outros pequenos (grandes) dramas: a bela Filomena para quem a beleza é um fardo pelo( pior do)s homens que atrai; a paixão (pura e) adolescente de Rituccia e do seu amigo, assombrada pelos abusos do pai dela; o triângulo amoroso entre o casal Serra, Emma e Ruggero, membros da alta sociedade, e Attilio, o amante dela; o (quase) desvio matrimonial do cabo Maione num casamento profundamente afectado pela morte do filho (no volume anterior)...
Mais uma vez sob o signo das artes, depois da ópera, agora o teatro - e quão teatral é a encenação deste romance! - este é um conjunto de histórias profundamente humanas - e intemporais - marcadas, sob múltiplas facetas, por relações mãe/filho(s), que traçam um retrato alargado de uma cidade, um país e uma época, a poucos anos da II Guerra Mundial, e cujos desenvolvimentos as vão entrecruzando, por vezes só tangencialmente, outras de forma mais sólida, para construir um relato coerente e sofrido, no qual o triunfo da justiça não garante a (quase?) ninguém conforto, paz ou segurança, apesar de alguns ténues sinais nesse sentido.
Apesar da mudança de desenhador em relação ao livro anterior, por força da periodicidade trimestral da publicação em Itália, há uma forte continuidade na linha gráfica da adaptação deste romance de 2012, lançada em Itália há exactamente um ano, com a perda de algum realismo do traço, compensada com vantagem pelo maior dinamismo transmitido à obra por Lucilla Stellato, uma desenhadora proveniente da série de ficção-científica Nathan Never, cujo trabalho preparatório da sua abordagem ao universo de De Giovanni está bem documentado no dossier final de mais uma boa edição da Panini espanhola.

La Primavera del Comisario Ricciardi: La condena de sangre
Marcello de Giovanni (argumento)
Sergio Brancato (guião)
Lucilla Stellato (desenho)
Panini Comics
Espanha, Fevereiro de 2019
195 x 259 mm, 176 p., cor, capa dura
18,00 €

(capa disponibilizada pela Panini espanhola; pranchas disponibilizadas pela Sergio Bonelli Editore; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)

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