Segundo
volume de adaptação dos romances de Marcello de Giovanni, proposto
pela Sergio Bonelli Editore com a participação empenhada do
criador, o segundo inquérito do Comissário Ricciardi, se passa dos
rigores
do Inverno
para a mais acolhedora Primavera, continua a espelhar toda a frieza e
as agruras de uma Nápoles sob a sombra crescente do fascismo
crescente,
personalizado em Benito Mussolini, onde os habitantes apenas
sobrevivem.
Sobrevivem
num clima de miséria - financeira, social, moral - vivendo o
dia-a-dia sob o peso de não
saberem o que (de mau) lhes trará o seguinte.
Por
isso, num meio assim, nestas
condições, não surpreende
que floresça a primeira protagonista deste livro, Carmela Calise,
vidente e leitora de cartas que alimenta os sonhos de quem a procura
desesperada, mas a quem também afunda cada vez mais na miséria à
custa dos juros elevados que cobra na sua outra faceta de usurária.
O
seu assassínio, (sem surpresa) invulgarmente violento, trará à
ribalta o (incomum)
comissário Ricciardi. Homem de poucas palavras, observador,
consumido pela capacidade que tem de ver e ouvir as vítimas de
crimes violentos nos locais por onde passa, que vive dividido entre o
seu dever de descobrir os criminosos, a faceta
humana como encara cada novo caso e a paixão platónica que sente
pela vizinha que observa cada noite da sua janela.
Numa
história sórdida, em que outros crimes se vão cruzar com o
principal, acompanhamos outros pequenos (grandes) dramas: a bela
Filomena para quem a beleza é um fardo pelo( pior do)s homens que
atrai; a paixão (pura e) adolescente de Rituccia e do seu amigo,
assombrada pelos abusos do pai dela; o triângulo amoroso entre o
casal Serra, Emma e Ruggero, membros da alta sociedade, e Attilio, o
amante dela; o (quase) desvio matrimonial do cabo Maione num
casamento profundamente afectado pela morte do filho (no volume
anterior)...
Mais
uma vez sob o signo das artes, depois da ópera, agora
o teatro - e quão teatral é a encenação deste romance! - este é
um conjunto de histórias profundamente humanas - e intemporais -
marcadas, sob múltiplas facetas, por relações mãe/filho(s), que
traçam um retrato alargado de uma cidade, um país e uma época, a
poucos anos da II Guerra
Mundial, e cujos desenvolvimentos as vão entrecruzando, por vezes só
tangencialmente, outras de forma mais sólida, para construir um
relato coerente e sofrido, no qual o triunfo da justiça não garante
a (quase?) ninguém conforto, paz ou segurança, apesar de alguns
ténues sinais nesse sentido.
Apesar
da mudança de desenhador em relação ao livro anterior, por força
da periodicidade trimestral da
publicação em Itália, há
uma forte continuidade na linha gráfica da adaptação deste romance
de 2012, lançada em Itália há exactamente um ano, com a perda de
algum realismo do traço, compensada com vantagem pelo maior
dinamismo transmitido à obra por Lucilla Stellato, uma desenhadora
proveniente da série de ficção-científica Nathan
Never, cujo trabalho
preparatório da sua abordagem ao universo de De Giovanni está bem
documentado no dossier final de mais uma boa edição da Panini
espanhola.
La
Primavera del Comisario Ricciardi: La condena de sangre
Marcello
de Giovanni (argumento)
Sergio
Brancato (guião)
Lucilla
Stellato (desenho)
Panini
Comics
Espanha,
Fevereiro de 2019
195
x 259 mm, 176 p., cor, capa dura
18,00
€
(capa
disponibilizada pela Panini espanhola; pranchas disponibilizadas pela
Sergio Bonelli Editore; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua
extensão)
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