02/12/2019

Blueberry: Forte Navajo

E assim nasceu Blueberry



O álbum Forte Navajo, que inaugurou na passada quinta-feira a segunda colecção (complementar mas ainda assim incompleta) das aventuras do tenente Blueberry numa parceria entra a ASA e o jornal Público, (ainda) não é (completamente) um bom exemplo das qualidades que fizeram deste western um dos mais apreciados da BD franco-belga - e, porque não escrevê-lo?, da BD tout-court.
Mas, quero frisá-lo desde já, tem já muito dos elementos que contribuíram decisivamente para isso, o que justifica plenamente a sua leitura.
Antes de entrar na sua análise, uma ressalva: este álbum, primeiro dos cinco - primeiros desta colecção ASA/Público - que compõem o chamado Ciclo das Guerras Índias - como qualquer dos outros quatro - só faz completamente sentido lido em conjunto, porque isolado(s) mostram apenas uma segmento parcial dum conjunto bem mais vasto e abrangente.
Antes de entrar na sua análise, uma ressalva: este álbum, primeiro dos cinco - primeiros desta colecção ASA/Público - que compõem o chamado Ciclo das Guerras Índias - como qualquer dos outros quatro - só faz sentido lido em conjunto, porque isolado(s) mostram apenas uma segmento parcial dum conjunto bem mais vasto e abrangente.
Tudo começa com o destacamento do jovem tenente Blueberry para Forte Navajo, situado em pleno território apache. O Blueberry que primeiramente conhecemos, é um jogador de póquer, potencialmente batoteiro, amante de zaragatas e pouco dado à disciplina. Mas é também corajoso, crente nos ideais que defende e um pacifista - pese embora alguma facilidade com que não se coíbe de matar aqueles que diz defender, mesmo traiçoeiramente, como na armadilha que prepara para conseguir sair do forte em Tempestade no Oeste…
Neste seu início, Blueberry é (para já...) um western puro e duro, literal e tradicional, com a maioria dos participantes a cumprirem de forma maniqueísta e estereotipada exactamente aquilo que deles se espera.
Um primeiro encontro com o tenente Graig, com o mesmo destino, cria entre os dois uma forte amizade, o mesmo acontecendo posteriormente com o mestiço Crowne e o velho Jimmy McClure. Este último, na tradição da banda desenhada juvenil de aventuras franco-belga, surge como contraponto ao protagonista, responsável pelos entreactos cómicos (devido ao seu vício pelo álcool), estratagema que nos dias de hoje soa algo datado.
É com esta curta galeria, a que se deverá acrescentar Águia Solitária, um chefe índio com ódio jurado a Blueberry e, embora com menor protagonismo, a jovem Muriel e o preconceituoso e racista Major Bascom, que Charlier e Giraud constroem uma história longa de 240 páginas, durante a qual, ao longo de um período de várias semanas, Blueberry tenta a todo o custo conseguir a paz entre brancos e índios.
Mas se tudo decorre como expectável, a verdade é que ao longo daquelas páginas e daquele período, o equilíbrio entre factos reais e ficção é assinalável, num relato denso e de elevada coerência, sem que isso impeça que se multipliquem os volte-faces, os episódios acessórios, os desvios ao rumo, os confrontos, as fugas desesperadas, as perseguições, os tiroteios, as alianças provisórias, as opções limite e as salvações in extremis, num ritmo narrativo infernal em todo o seu esplendor, que fica (já) como imagem de marca deste western durante o período de Charlier e arrasta o leitor num longo périplo pelo Arizona, o Texas e o México, sempre desejoso de saber mais.
E se narrativamente Charlier já (se) revela o exímio narrador que a BD celebrizou, graficamente esta primeira mão-cheia de álbuns ainda não faz jus ao desenhador soberbo que Jean Giraud viria a ser. Muito preso ao estilo do seu mestre Jijé - a quem assistiu em Jerry Spring e de quem, segundo se diz, recebeu alguma ajuda neste álbum de partida de Blueberry, assinando, inclusive, a belíssima capa - Giraud vai aos poucos libertar-se se das suas (boas) influências e trilhar um caminho próprio. Nada disso invalida que evidencie já o seu superior domínio da anatomia humana e do movimento dos cavalos, nem a credibilidade e realismo dos inúmeros cenários do Oeste selvagem que Blueberry percorre graças ao seu pincel.

A edição actual
Tendo este álbum - e o seguinte deste ciclo - apenas em edição da Dargaud - e os três seguintes em edições da Meribérica/Líber - tenho de assinalar a grande melhoria de impressão da actual edição da ASA, com o preto do traço completamente recuperado e visível, ao contrário do que acontecia nas edições dos anos 1980/90. Se aprovo completamente o papel mate da capa, ele tornou um pouco mais sombria (do que mostrado acima) a ilustração de Jijé - o que não tem de ser implicitamente negativo.
Obviamente, eu e todos (?) os leitores preferíamos álbuns duplos (pelo menos...), de capa dura, mas atendendo a que esta colecção vem complementar a anterior, de 2008 - com a inexplicável ausência de O Homem da Estrela de Prata - a actual opção é perfeitamente justificável.
...o que já não acontece em relação ao facto de as lombadas destes 10 volumes formarem a palavra ‘Blueberry?, para lá da evidente justificação comercial, pois inevitavelmente chocará com os álbuns anteriores que apenas ostentavam o número, o nome dos autores e o título do álbum, mais a mais sabendo que eles são os cinco primeiros e os cinco últimos da série.


Blueberry #1: Forte Navajo
Jean-Michel Charlier (argumento)
Jean Giraud (desenho)
ASA/Público
Portugal, 28 de Novembro de 2019
215 x 290 mm, 48 p., cor, capa mole com badanas
7,90

(capa disponibilizada pelo Pùblico; pranchas da edição francesa disponibilizadas pela Dargaud; clicar nas imagens para as aproveitar em toda a sua extensão)

4 comentários:

  1. "não é um bom exemplo das qualidades que fizeram deste western um dos mais apreciados..."

    Por alguma razão a anterior coleççao Bliebrry do Publico diz "Uma selecção das 18 melhores aventuras do herói..."

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    1. Possivelmente foi mais uma questão de marketing do que outra coisa... Diria o mesmo se a selecção tivesse sido outra! ;)
      Boas leituras!

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    2. Poderá ser. Mas a Maria José Pereira deve ter usado algum critério para escolher os 18, não deve ter tirado à sorte. O que não quer dizer que o critério tenha sido os melhores, para além de que os melhores variam de pessoa para pessoa.
      Manter a coerência do conjunto deve ter sido também factor principal, o que justificaria tirar os primeiros 5 e últimos 5.

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    3. Claro, mas uma coisa não invalida a outra. É evidente que os primeiros álbuns são dos mais fracos, daí a sua exclusão compreensível da colecção inicial, que na altura começou com a edição da (então) novidade do ano anterior, "Apaches".
      Menos compreensível é que , então, não tenham sido publicados os últimos álbuns da série - os cinco derradeiros da actual colecção, que eram a continuação do relato iniciado exactamente nesse "Apachas"...
      Como é incompreensível que a actual colecção não tivesse incluído "O Homem da Estrela de Prata", o único álbum de Bluberry que fica de fora nestas duas colecções ASA/Público.
      Os critérios, por vezes, são difíceis de compreender...
      Boas leituras!

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