07/05/2021

Le Storie: Sangue e gelo

Estigmas




Por vezes há obras, séries, autores que, aos olhos de um leitor - de um grupo de leitores - ficam estigmatizados. As razões nem sempre são fáceis de explicar, raramente o bom senso e o sentido crítico imperam e, dessa forma, perdem-se – no que a este blog interessa - boas leituras.

Foi o caso, durante muitos anos, das produções da Sergio Bonelli Editore, em Portugal.

Li os meus primeiros Tex em meados da adolescência. Equiparei-os, na altura, às muitas edições - belos tempos! - que pululavam nos quiosques e bancas portuguesas.

Havia diferenças? Algumas… A língua brasileira - o que na época estava longe de ser um impedimento, porque todos liam as revistas Disney e da Turma da Mônica nessa língua, bem como as muitas edições ‘similares’ (Luluzinha, Pantera Cor-de-Rosa, Riquinho, Hanna Barbera… que cá chegavam; as edições mais encorpadas - 100 páginas contras as habituais 32 ou 40 das revistas portuguesas; o pequeno formato; o (mau) papel de jornal - comparado com o alvo branco das edições nacionais (algumas e dependendo das épocas…)

E quando se comparavam estas edições (da Globo, da Record, da Vecchi, mais tarde da Mythos…) com a colorida e ‘enorme’ Tintin ou mesmo com o heterogéneo Mundo de Aventuras, compreende-se que Tex e os seus pards ficavam a perder.

Por isto - por tudo isto - durante anos, Tex, primeiro, e depois as restantes séries - Martin Mystère, Dylan Dog, Mister NO, Nick Raider… tudo o que tinha proveniência Bonelli - ficaram estigmatizadas, com uma aura negativa que me impediu de aproximar delas durante anos - até porque entretanto o ‘império’ dos álbuns dava os primeiros passos (firmes) e aí, as diferenças eram ainda mais profundas.

Dessa forma, perdi boas histórias, uma qualidade média assinalável para séries de produção mensal e, principalmente, passei ao lado de muito bons desenhadores.

Esta situação que eu vivenciei, foi certamente partilhada por muitos, não só em Portugal, mas um pouco por toda a Europa.

Dar-lhe a volta, foi afinal muito simples. Bastou que as mesmíssimas obras passassem a ser editadas em boas edições de maior formato, com capa dura, papel branco de boa gramagem, às vezes coloridas. Na prática, retirou-se-lhes a simpática e atractiva adjectivação de ‘populares’ para passarem a ser edições de livraria. Ganharam novo público – deslumbraram muitos dos leitores que já eram fiéis - foram descobertas e elogiadas por aqueles que as ostracizaram tanto tempo, passaram a gozar do estatuto que a forma impedira o conteúdo de gozar.

Para além do implícito mea culpa - reconhecendo que o maior perdedor fui eu… - a que propósito vem este texto, que para mais ‘repete’ uma leitura aqui no blog?

Exactamente porque repeti recentemente essa leitura, estas linhas são apenas uma chamada de atenção para que este tipo de estigmas - que alguns ainda mantêm - não impeçam ninguém de desfrutar de Sangue e Gelo, um dos volumes da (muito aconselhável) série Le Storie, pelo facto de ter sido incluído na colecção Bonelli que a Levoir e o Público (muito bem) propuseram há uns quantos anos. Em boas edições, de maior formato, com capa dura, papel branco de boa gramagem, às vezes coloridas...

Porque, sem repetir o que escrevi na altura e convido a (re)lerem, Sangue e Gelo é uma belíssima banda desenhada fantástica e de terror, em fundo histórico, muito bem narrada - numa interessante cumplicidade entre o narrador e os leitores - e melhor desenhada numa ampla paleta de tons de cinza aguados, nos quais as aplicações pontuais de uma cor - o vermelho vivo - fazem uma enorme diferença.

Neste caso - como em muitos outros - o conselho só pode ser um: ignorem os estigmas, ultrapassem os preconceitos. O leitor que há em cada um, vai agradecer.


Le Storie: Sangue e Gelo
Colecção Bonelli #5
Tito Faraci (argumento)
Pasquale Frisenda (desenho)
Levoir/Público
Portugal, 10 de Maio de 2018
190 x 260 mm, 120 p., pb/cor capa dura
13,90 €

(imagens disponibilizadas pela Levoir; clicar neste link para descobrir mais ou nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)

5 comentários:

  1. Adorei essa coleção da Bonelli-levoir,... Só é pena é não haver uma continuação desta serie da Bonelli, tipo na sequência, uma serie II, depois no ano a seguir, uma serie III e por aí vai. Era bom, era...

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    1. Era, sem dúvida, mas parece que as vendas não o proporcionaram.
      Mas, de certa forma, as edições de A Seita estão a cumprir esse papel...
      Boas leituras!

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  2. A coleção Aleph, agora da Seita, bem que para sair da dupla Dylan Dog/Dampyr podia pegar em alguns álbuns festa série, ainda para mais tratando-se de histórias fechadas.

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  3. Tenho de dizer que comprei este livro mas fiquei algo confuso com o rítmo e em perceber quais as personagens pois assemelham-se um bocado entre si, não achei que fosse uma obra "legível".

    Mas gosto do conceito, espero que editem mais do género, com toques de sobrenatural.

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