03/01/2023

Corto Maltese: Nocturno Berlinense

Corto Maltese, outra vez e sempre


Criado por Hugo Pratt em 1967 e animado por ele até 1992, Corto Maltese é uma das mais emblemáticas personagens que a banda desenhada nos legou. Por isso, parecia impossível que sobrevivesse ao seu criador, tão forte era a sua marca, a ponto de reflectir nele os seus ideais e vivências.
Apesar disso, ao fim de quatro álbuns, é obrigatório dizer que o espanhol Juan Dias Canales e o catalão Ruben Pellejero conseguiram encontrar o tom certo. Partindo do original de Pratt, progressivamente foram-se apropriando do protagonista e do universo desafiador em que ele se move, podendo hoje afirmar-se que existe um outro Corto Maltese, que não abdica de nada do seu passado, mas tem uma vivência própria para lá da óbvia retoma e da simples homenagem.

De forma equilibrada, Canales, com argumentos sólidos, em que se multiplicam referências culturais e históricas e piscares de olho à própria série, tem chamado personagens marcantes que Pratt imaginou, apresentando-as em situações específicas e naturais ou associadas a acontecimentos históricos e levando-as a cruzar de novo o caminho do marinheiro errante. Aliás, as páginas de guarda do álbum mostram claramente essa errância que, desta vez, o leva a uma Alemanha em plena efervescência, no ano de 1924, quando o partido nazi começava a ganhar expressão.

A história, sem pôr de lado o tom introspectivo e deixando uma larga abertura à interpretação dos leitores, assume um tom quase de policial negro, com Corto a tentar descobrir quem matou um dos seus amigos mais queridos.

Entre intriga política, questões religiosas, fanatismos de vária ordem, ideologias opostas, organizações secretas e conspirações esotéricas, o marinheiro nascido em Malta avançará de cadáver em cadáver, correspondentes a assassinatos aparentemente sem solução, com o perigo a apresentar-se num crescendo e as respostas a tardarem em aparecer.

Graficamente, Pellejero que desde o primeiro álbum deu o seu cunho pessoal à representação de Corto, expõe mais uma vez as suas melhores qualidades, com as pranchas a assumirem algumas características do expressionismo alemão e as cenas nocturnas ou em ambientes escuros a brilharem especialmente, devido ao seu magistral uso da cor.


Corto Maltese: Nocturno Berlinense
Juan Dias Canales (argumento)
Ruben Pellejero (desenho)
Arte de Autor
Portugal, Outubro de 2022
225 x 297 mm, 72 p., cor, capa dura
22,00 €

(versão revista do texto publicado no Jornal de Notícias online de 23 de Dezembro de 2022 e na edição em papel do dia seguinte; imagens disponibilizadas pela Arte de Autor; clicar nesta ligação para ver mais pranchas ou nas aqui reproduzidas para as aproveitar em toda a sua extensão; clicar nos textos a cor diferente para saber mais sobre os temas destacados)

7 comentários:

  1. Anónimo4/1/23 20:46

    Caro Pedro
    Ainda bem que gostou do novo Corto.
    Eu não.
    Nem tentei ler este; li os três primeiros desta dupla e não gostei: demasiado politizado e a história parece uma lista de clichês do Corto. Tão-pouco apreciei a versão da dupla Quenehen-Vivés: a ideia de pôr o Corto no presente foi boa, a história, bem, qual era a história?
    E sinceramente não me julgo um purista do Corto ou nem teria lido. Apreciei o Lucky Luke do Matthieu Bonhomme e o Spirou do Émile Bravo. O problema dos novos Cortos é que, do meu ponto de vista, as histórias deixam muito a desejar e vivem do prestígio do personagem.
    Também não sei qual foi a ideia de contratar espanhóis e franceses para os novos Cortos. O Corto/Pratt é italiano e deveriam ter escolhido um italiano. O próprio Pratt tinha dito que se o Corto fosse continuado depois da sua morte preferia o Milo Manara, escolha que me parece adequada. Aliás basta comparar as duas histórias dos Escorpiões do Deserto que foram feitas depois da morte do Pratt: a primeira, feita por um francês, foi fraca; a segunda, por italianos, foi boa. Pena não terem escrito mais algumas.
    Enfim, não contem com o meu dinheiro para mais vendas do novo Corto.
    Já agora, quando é que ASA continua o Spirou do Bravo? Foram as melhores histórias que publicou nos últimos anos.
    Abraço e Bom Ano para si
    GP

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    1. Sim, tenho lido - e gostado cada vez mais - do Corto do Canales e do Pellejero, mas percebo que haja quem não goste. Mas é bom que haja propostas de leitura para todos.
      E para as editoras, o regresso a personagens e séries clássicas é geralmente uma aposta segura, embora umas mais do que outras. Como os originais aliás!
      Quanto ao próximo Spirou do Bravo, ainda não há informação sobre a data de saída, mas penso que não deverá demorar muito, se atendermos ao espaço curto entre os dois primeiros.
      Boas leituras!

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    2. O problema destes Cortos (que não são Cortos) é injectarem elementos familiares para atrairem os leitores dos originais em estórias novas mal-amanhadas.
      Acabam assim por criar pastiches.
      De reparar que o Pratt evitava repetir-se em cada nova estória, em termos de diálogos e enredos.

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    3. O Pratt também evitava pregar nas aventuras que criava, deixava os actos dos personagens falarem por ele, sem ser abertamente crítico, era portanto mais subtil, o Canales peca pelo mesmo problema nas estórias do Blacksad, o narrador acaba por se tornar muito irritante e os vilões caricaturais.

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  2. Anónimo9/1/23 13:57

    Caro Superbeasto

    Estamos os dois de acordo quando ao novo Corto. Aliás, recordo-me de que quando a minha esposa, apreciadora do Corto do Pratt, leu o primeiro Corto do Canales foi taxativa: "Isto não é o Corto", disse ela. Se o novo Corto não é homem suficiente para as mulheres, há qualquer coisa de errado com ele.

    Caro Pedro

    Agradeço a sua resposta. Já agora, é impressão minha ou tem sempre algo de positivo a dizer sobre as BDs que comenta no seu blog? Ou melhor ainda, por vezes faz críticas, mas acrescenta sempre algo de positivo.

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    1. Lendo 30 a 40 (ou mais) edições de BD por mês e não podendo - nem querendo - escrever sobre todas, geralmente selecciono as que me parecem mais interessantes e/ou aquelas cuja leitura me 'inspira' mais a escrever.
      Quanto aos textos em si, com sinceridade são quase sempre fruto da inspiração do momento e não tenho a preocupação (consciente) de equilibrar questões positivas e negativas.
      Boas leituras!

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    2. Caro Pedro, agradeço a sua resposta. De facto, deveria ter-me lembrado dessa possibilidade antes de lhe ter feito a pergunta, dado que de facto só comenta alguns dos livros que lista nas livros lidos todos os meses. Agradeço os seus votos de boas leituras se bem que hoje em dia mal leio BD; o Spirou do Bravo foi a única que me chamou a atenção de há uns meses para cá.
      Abraços e continuação de bom trabalho
      GP

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