04/05/2023

Tango #6 + Lonesome #3 + Mary Jane

Experiências de leitura

O acaso - ou o protector dos leitores de BD - fez-me chegar às mãos, com a minha óbvia participação financeira… - três edições especiais de tiragem limitada que me proporcionaram experiências de leitura diferentes do habitual.


Tango #6 Le fleuve aux trois frontières (Le Lombard, Bélgica, 2021), tal como Lonesome #3 Liens du Sang (Le Lombard, Bélgica, 2021), têm em comum serem tiragens limitadas, com lombada em tecido e impressão a preto e branco [de obras que a Gradiva até já publicou em português, a cores, naturalmente, pelo que remeto para as respectivas análises, que encontrarão clicando nos títulos acima].

Num e noutro caso, este tipo de edição permite avaliar melhor o traço dos desenhadores e, neste particular, Yves Swolfs (e Lonesome) fica(m) claramente a ganhar a Philippe Xavier (e Tango), pois o seu traço é mais realista, detalhado e completo, e isso nota-se especialmente ao nível dos cenários, já que Matz, aposta mais na cor para os trabalhar e preencher, deixando por isso muitos fundos em branco.

Aliás, como ambas as obras foram pensadas para a publicação final colorida, há aspectos como as cenas nocturnas ou em cenários mais sombrios, cuja caracterização depende dos tons a usar posteriormente, pelo que acabam por passar ao lado de quem lê (só) a versão em preto e branco.


Quanto a Mary Jane (Futuropolis, França, 2019) está num patamar (muito) superior. Tiragem de luxo do álbum franco-belga ‘normal’, ostenta um formato imponente (315 x 416 mm) e um papel de gramagem superior (150 g!). Para além disso - tenham justificada inveja, leitores e coleccionadores - é uma edição de apenas 500 exemplares, numerada e assinada pelos dois autores e acompanhada de ex-libris de cada um deles, igualmente numerados e assinados.

Trata-se de uma revisão da história de Mary Jane, presumivelmente a última prostituta assassinada por Jack, o Estripador, num tom sombrio e desolador, que mostra de forma crua como a viuvez, a ignorância e a pobreza enviaram uma jovem bonita e culta para a mais velha e degradante profissão do mundo.

Projecto de Frank Le Gall, que durante décadas se arrastou pelas suas gavetas, viu a luz do dia quando o desenho foi entregue a Damien Cuvillier - como é contado nas páginas finais, onde podemos ver algumas das pranchas originais de Le Gall que, mesmo magníficas, mostram quão benéfico foi o atraso e posterior decisão, pois Cuvillier trouxe para o relato um tom mais realista e um registo mais soturno e opressor.

Que - volto a escarafunchar a ferida - é sublimado pelo enorme tamanho da edição que, se dificulta fisicamente a leitura, a eleva para um outro nível de fruição.


(imagens disponibilizadas pelas editoras; clicar nelas para as apreciar em toda a sua extensão; clicar no texto a cor diferente para saber mais sobre os temas destacados)

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