25/01/2024

A Passagem Impossível

Retrato de uma vida



Há obras que são muito mais que o simples objecto físico (mesmo que ele seja magnífico) ou que a sua qualidade intrínseca (seja ela qual for). Sei que já o escrevi aqui algumas vezes, embora a argumentação possa variar.

A Passagem Impossível, legado final (?) do mestre José Ruy é uma delas, por tudo o que escrevi acima e porque é o retrato perfeito de uma vida - dedicada à BD.

Esta é uma obra singular na paisagem editorial portuguesa. Última narrativa gráfica terminada por José Ruy, apresenta algumas páginas cobertas a tinta, definitivas portanto, a par de outras - bastantes mais - que vão do simples esboço ao desenho completo a lápis. E todas legendadas. Ou seja, como sempre, respeitando leitores e editor, o autor dedicou-se ao máximo para não defraudar ninguém e poder deixar a obra o mais completa possível, em condições de ser lida.

Sabendo o peso que terá o que escrevo a seguir, atrevo-me a afirmar que neste estado, A Passagem Impossível revela-se mais rica do que se o autor a tivesse realmente concluído . Porque neste estado ‘em bruto’ - deixem que escreva assim - as várias fases do desenho estão expostas ao leitor que pode descobrir e explorar o processo de trabalho do veterano autor português.

E, arriscando-me de novo - sabendo e percebendo as razões porque ao longo dos anos optou quase sempre pela cor - não duvido que o traço de José Ruy é muito mais rico a preto e branco. Comprovem, por exemplo, nas pranchas finalizadas a tinta, a riqueza de pormenores das embarcações ou como ele usou sombras e manchas de negro para definir ambientes e volumes.

Em A Passagem Impossível, como muitas vezes, José Ruy optou por narrar um episódio verídico da História dos navegantes portugueses mas conseguiu, com rara eficácia, transformar a realidade numa ficção fluída, bem sustentada por momentos de humor, romantismo, tragédia e pura invenção, num todo de leitura tão agradável que a inevitável carga didáctica e pedagógica se ‘perde’ em benefício da narrativa sequencial, que surge aqui bem mais solta, possivelmente porque pela primeira vez (?) não sentiu o espartilho das 30 ou 44 pranchas. O que não impede, que o autor explane os seus profundos conhecimentos de navegação marítima, demonstre os resultados das muitas horas de desenho animal ao vivo ou faça jus à pesquisa aprofundada que o conduziu até aqui.


Uma palavra final, incontornável, para a edição da Ala dos Livros. Grande formato, capa sólida, com aplicações de verniz e textura agradável e um preto e branco impresso primorosamente que demonstram o respeito pelo autor. O que é vincado pela opção pela edição tal e qual foi deixada por ele, a inclusão de um caderno de esboços que inclui a planificação em página tripla, do testemunho da esposa e da filha sobre o processo específico que José Ruy seguiu em A Passagem Impossível e, para quem encomenda no site, a oferta de um ex-libris disponível em 3 versões diferentes.


Volto ao princípio, não consigo deixar de o fazer: “Há obras que são muito mais que o simples objecto físico (mesmo que ele seja magnífico) ou que a sua qualidade intrínsca (que é grande)”.

A Passagem Impossível é uma delas e José Ruy, por tudo que deu às ‘histórias em quadrinhos’, merecia uma edição assim.


A Passagem Impossível
Ala dos Livros
235 x 310 mm, 128 p., pb, capa dura
25,90 €

José Ruy

Portugal, Dezembro de 2023

(imagens disponibilizadas pela Ala dos Livros; clicar nesta ligação para ver mais pranchas ou nas aqui reproduzidas para as aproveitar em toda a sua extensão; clicar nos textos a cor diferente para saber mais sobre os temas destacados)

5 comentários:

  1. Grata e emocionada pela sua apreciação. Subscrevo as suas palavras eu que sei o quão difícil foi muitas vezes lutar contra a maré e por vezes não conseguir ultrapassar obstáculos que levaram a que projetos tão sonhados tenham ficado na gaveta. Contudo, a tudo o que fazia se dedicava inteiramente, como foi o caso de Os Templários. Este foi à justa e mesmo assim já foi tarde. A pandemia teve muita culpa. Eu adorava o desenho espontâneo do natural ........Bem haja!

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  2. Verdadeiramente fascinante "A Passagem Impossível" pela História, pela história, pela Arte do Autor e pela Arte da Edição.

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  3. O comentário anterior foi escrito por Isabel Castro

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