Nascido a 9 de Maio de 1930 na Amadora e falecido a 23 de Novembro do ano passado, José Ruy Matias Pinto dedicou a vida toda, literalmente, à banda desenhada. Mesmo depois de morto, o seu legado continuou a crescer e foram três os álbuns lançados no ano passado: Lendas Japonesas, O Mistério dos Templários e A Passagem Impossível.
Não surpreende para quem o conheceu ou acompanhou a sua obra. Publicado pela primeira vez em O Papagaio, aos 14 anos, passou por todas as grandes publicações infanto-juvenis nacionais: O Mosquito, Diabrete, Cavaleiro Andante, Tintin, Mundo de Aventuras… e publicou algumas dezenas de álbuns, trabalhando em BD durante quase oito décadas.
Lançado em Maio último, pela Polvo, Lendas Japonesas retoma um projecto que o autor abraçou ainda em O Papagaio, em 1949: a adaptação da obra original de Wenceslau de Morais. São onze narrativas, de cunho fantástico, que têm como protagonistas deuses com os defeitos dos homens ou homens que querem ser como os deuses. É evidente nelas o cuidado e apuro gráfico que foi colocado na sua realização, cumprindo o desejo de aproximação do registo desenhado ao espírito dos originais, podendo afirmar-se que, depois dos 90 anos, o autor tem aqui um dos seus registos mais conseguidos.
Depois, no recente Amadora BD, a mesma editora lançou O Mistério dos Templários. Rui Brito, o editor, conta que “quando estava a trabalhar com José Ruy nas Lendas Japonesas, ele falou-me neste projecto, planeado alguns anos antes mas que acabou por não avançar. Analisado o material existente, José Ruy voltou ao tema e desenvolveu algumas partes do enredo, de modo a enriquecer a história”.O livro conta a História dos Templários, através de um cavaleiro português e permitiu ao autor explorar uma “Ordem militar e religiosa” que sempre o fascinou “sobretudo pelo mistério da sua extinção criminosamente perpetrada por um monarca de cognome Belo, mas que de beleza de alma nada tinha.”
E embora Rui Brito adiante que “infelizmente, foi o último que terminou”, a verdade é que acaba de chegar às livrarias A Passagem Impossível, numa edição da Ala dos Livros. A contradição é só aparente, já que este volume, embora completo ao nível do texto, inclui pranchas concluídas, a par de outras só desenhadas a lápis ou até apenas esboçadas. Uma particularidade que permite conhecer a forma de trabalhar de um dos grandes mestres da BD nacional
Por esse motivo, revela o editor Ricardo Magalhães, a produção do “livro foi bastante exigente, uma vez que o material disponível não estava terminado e, por isso, não estava pronto para publicação. Foi necessário, da parte da filha do Mestre José Ruy muito trabalho de recolha e organização e, posteriormente, da nossa parte de preparação do material para publicação”. E acrescenta, “a montagem, a paginação, o conceito de capa, tudo teve de ser pensado basicamente do zero, sem a participação do autor, o que nos deixou um enorme sentimento de responsabilidade por querermos muito respeitar a sua obra”.Em A Passagem impossível, mais uma vez o autor mergulha na História, desta vez no século XVII, no auge do comércio de sedas e de especiarias, em oceanos, infestados de piratas que tornam cada vez mais insegura a travessia pelo Sul, pelo cabo da Boa Esperança. Por esse motivo, em Março de 1660, uma embarcação comandada pelo capitão português David Melgueiro, zarpa de Tanegashima, no Japão, e ruma a Norte, efectuando a passagem do Oceano Pacífico pelo estreito de Anian e embrenhando-se no Oceano Ártico.
A cores, os dois primeiros, ou a preto e branco, por vezes rude e inacabado, são mais três obras que enriquecem a herança que José Ruy legou aos seus leitores e que permitem, mais uma vez, compreender a sua paixão pela História e pelas suas “histórias em quadrinhos”, como gostava de as designar.
(versão revista e aumentada do texto publicado no Jornal de Notícias de 3 de Janeiro de 2024; imagens disponibilizadas pela Ala dos Livros e pela Polvo; clicar nelas para as aproveitar em toda a extensão; clicar nos textos a cor diferente para saber mais sobre os temas destacados)
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