28/07/2023

Lendas japonesas

Final da viagem no ponto de partida


Raramente a vida permite que assim aconteça mas a verdade é que com estas Lendas japonesas, que a editora Polvo acaba de fazer chegar às livrarias, José Ruy (1930-2022) de alguma forma terminou a sua vida onde a tinha começado ou para definir melhor, teve na sua última obra publicada um regresso ao momento onde tudo praticamente começou.
E, relembro, tudo é uma carreira notável, uma vida inteiramente dedicada aos quadradinhos, que começou a desenhar aos 14 aos anos e só a morte foi capaz de interromper aos 92, em finais do ano passado.

As onze histórias curtas que compõem este álbum, são outras tantas adaptações de lendas recolhidas no Japão pelo escritor e diplomata Wenceslau de Moraes nos primeiros anos do século XX. Trata-se de histórias singulares que, segundo o próprio José Ruy, o deixaram “apaixonado pelo tema” quando as descobriu, em 1949, tendo originado nove adaptações em O Papagaio, então já suplemento infantil da revista Flama. Três dessas lendas seriam recuperadas no número inaugural dos semi-profissionais Cadernos da Banda Desenhada (1987) e José Ruy regressaria ao tema, na mudança do século, desta vez com duas lendas desenhadas de origem para a Selecções BD.

Estas narrativas, de cunho fantástico, têm como protagonistas deuses com os defeitos dos homens ou homens que querem ser como os deuses e uma delas, muito curiosa, rãs antropomorfizadas. Possuem propósitos morais, educativos ou com indicações valiosas para o dia-a-dia e, graças à capa dos hábitos e costumes nipónicos, ganham contornos misteriosos e estimulantes que ajudam a perceber a paixão que provocaram no desenhador português.

Aliás, quer nas páginas mais clássicas e elegantes das primeiras versões, mostradas no texto com que José Ruy introduz o leitor na temática, quer nas narrativas inseridas neste volume, é notório o cuidado e apuro gráfico que foi colocado na sua realização, cumprindo o desejo de aproximação do registo desenhado ao espírito dos originais.

Esta edição, cuidada e com bons acabamentos, que fecha com a biografia de Wenceslau de Moraes em BD, esteve agendada para o ano passado mas, por razões diversas, só agora ficou disponível. E se certamente José Ruy teria gostado muito de a ter segurado nas suas mãos, acaba por constituir uma muito justa e merecida homenagem póstuma.


Lendas Japonesas
José Ruy
Polvo
Portugal, Julho de 2023
215 x 305 mm, 64 p., cor, capa dura
16,90 €


(versão revista e aumentada do texto publicado no Jornal de Notícias a 19 de Julho de 2023; imagens disponibilizadas pela Polvo; clicar nesta ligação para ver mais pranchas ou nas aqui reproduzidas para as aproveitar em toda a sua extensão)

1 comentário:

  1. José Ruy será sempre uma referência inolvidável na história da BD. Orgulho-me de ter todos os seus álbuns publicados , penso que 34, e tudo o que saíu nos colecionáveis

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