11/11/2025

A Vida Oculta de Fernando Pessoa

Um agente secreto, outro heterónimo?





Sabemos tanto e ao mesmo tão pouco sobre Fernando Pessoa, o escritor, o poeta, o homem, a face visível de tantos heterónimos, que todos os delírios e suspeições são legítimos.

Para tentar responder à dupla questão porque criou Pessoa os seus heterónimos e de onde lhe vinha o pesado sentimento de culpabilidade pelos seus actos, o argumentista português André Morgado e o desenhador brasileiro Alexandre Leoni, com muita imaginação e de modo desafiador decidiram narrar A Vida Oculta de Fernando Pessoa que, depois de edições de pequena tiragem de um e outro lado do Atlântico, quase dez anos depois da publicação original, está agora nas livrarias com a chancela da Iguana.

Esta não é a primeira vez que Pessoa é personagem de banda desenhada. De passagem, vale a pena relembrar O desassossegado Senhor Pessoa (Levoir, 2025), de Nicolas Barral, e Dampyr: O suicídio de Aleister Crowley (A Seita, 2019), de Mauro Boselli e Michele Cropera. Mas, possivelmente, nunca a sua abordagem aos quadradinhos foi tão díspar da ideia que todos fazemos dele.

Partindo da morte do pai, descobrimos que todos os homens da família pertencem à Sociedade Secreta de Extermínio do Mal e estão encarregados de eliminar pessoas transformadas em mortos-vivos.

Se esta temática fantástica e muito em voga em 2016, quando a obra foi publicada originalmente, podia facilmente ter feito derrapar o relato e retirado todo o interesse à leitura, a verdade é que Morgado foi capaz de desenvolver uma história equilibrada e até de lhe transmitir sentido, ao mesmo tempo que prestava uma bela homenagem a Pessoa e à sua obra, uma vez que boa parte dos diálogos incorporam trechos de poemas dele e dos seus heterónimos mais relevantes: Alberto Caeiro, Álvaro de Campos e Ricardo Reis. Cuja participação nesta banda desenhada, quero frisar sem adiantar mais do que o devido para não retirar prazer à leitura, vai bem além do que seria expectável, proporcionando assim uma interessante explicação para a sua existência na bibliografia do escritor.

Desta forma, A Vida Oculta de Fernando Pessoa lê-se a um tempo como uma narrativa de aventuras, uma exposição inédita da vida do poeta sem a extirpar da solidão e da dúvida constante que a caracterizaram e uma análise inesperada da sua obra e das suas motivações que consegue equilibrar a complexidade do ser que a inspirou com a linearidade da história.

Uma abordagem original, sem dúvida - e original é o adjectivo que melhor a define - mas, mais ainda, desafiadora e estimulante porque diferente e capaz de abrir novas perspectivas sobre Pessoa.


A Vida Oculta de Fernando Pessoa
André F. Morgado (argumento)
Alexandre Leoni (desenho)
Iguana
170 x 240 mm, 96 p., cor, capa dura
17,85€

(versão revista do texto publicado na página online do Jornal de Notícias a 24 de Outubro de 2025 e na versão em papel do dia seguinte; imagens disponibilizadas pela Iguana; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão; clicar nos textos a cor diferente para saber mais sobre os temas destacados)

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