11/07/2024

Táxi Amarelo

Sozinho no meio da multidão 




Táxi Amarelo é mais uma prova - completamente desnecessária porque isso é algo adquirido - do talento narrativo de Chabouté, do seu virtuosismo a preto e branco, comprovado pelo facto de serem as páginas sem texto aquelas que adquirem maior impacto - visual e narrativo.

Tematicamente, é bem diferente de Acender uma fogueira ou de Moby Dick, as propostas de sua autoria integradas em anteriores 'temporadas' da colecção Novela Gráfica, mas isso, obviamente, tem principalmente a ver com o teor das obras de base que o desenhador francês adaptou.

Dessa forma, depois de Jack London e Herman Melville, desta vez a escolha recaiu num romance - menos conhecido e isso também faz diferença... - de Benoit Cohen.

Na base de Táxi Amarelo - e porquê a tradução de um título que no original francês era em inglês, língua em que fazia muito mais sentido pela imediata associação aos táxis nova-iorquinos? - está o escritor original, também realizador, que, em busca de inspiração, decide tornar-se motorista de táxi na 'Big Apple' para se inspirar n(a sua interacção com)os passageiros.

A obra está claramente dividida em duas partes. Na primeira, Cohen enfrenta a enorme burocracia para conseguir a licença de motorista de táxi. Sem atingir propriamente um registo humorista, serve de certa forma para introduzir o leitor num mundo, quase à parte, em que gente de todas as raças, quase todos em busca do sonho americano, se juntam com um objectivo comum: a licença mágica que lhes permite trabalhar - e manterem-se assim em solo americano. Cruzar a cidade de uma ponta à outra, assume assim uma imagem figurada, correspondente ao cruzar da fronteira imaginária entre Nova Iorque - no caso - e o resto do mundo de onde se foge ou que se deixou em nome da ilusão.

Após este longo preâmbulo, já com Cohen atrás do volante, Táxi Amarelo saltita constantemente entre a realidade do protagonista e a ficção que ele quer criar, principalmente a partir do momento em que assume entregar o protagonismo do seu filme a uma mulher, um género quase inexistente ao volante dos Yellow Cab. Opção que nos deixa de água na boca, perante a miríade de perspectivas que essa opção abre, mas que - no livro - não se chega a concretizar. Esta dualidade narrativa serve também para uma abordagem reflexiva interessante ao processo criativo e às implicações que cada opção traz.

Paralelamente, num ponto de vista mais abrangente - já que os 'criadores' são proporcionalmente poucos - esta obra também se centra na questão da solidão do homem no meio da multidão, pela indiferença com que passam por nós - e nós passamos por eles... - todos aqueles com quem nos cruzamos - sejamos motoristas de táxi ou não...

Se, para mim, a obra não teve um impacto tão forte como as duas anteriores citadas, pelas razões que já adiantei no início, o poder reencontrar Chabouté e o seu preto e branco poderoso e contrastante - desta vez aplicado num contexto urbano - com os dois tons únicos a assumirem alternadamente o protagonismo e a coadjuvação, seria justificação mais que suficiente para uma leitura que não deixa de ser intensa e desafiadora, pelas diferentes vertentes que assume.


Considerações soltas sobre a colecção

Cada nova 'temporada' da colecção Novela Gráfica é pretexto para comentários e (até) discussões, prova da importância que esta iniciativa da Levor e do jornal Público atingiu no mercado editorial português, mesmo para lá do meio específico da banda desenhada.

Nesta oitava (já!) proposta, ressaltam dois aspectos: por um lado, a grande aposta nas adaptações literárias, um sub-género que voltou a ganhar uma enorme força no contexto editorial actual, um pouco por todo o mundo; por outro, um recuo no experimentalismo que a série VII ostentava.

Entre os títulos disponíveis - o que não é tão linear - o desafio do desconhecido, a (in)certeza de alguns nomes e as propostas incontornáveis, é evidente que a editora tem de fazer contas à vida, verificar os títulos que venderam - ou não - e, de certo modo, ajustar as suas escolhas em função destas premissas.

Em termos formais, a periodicidade quinzenal permite algum desafogo aos leitores, para além de prolongar 'mediaticamente' no tempo a colecção, e o ajuste dos preços à característica de cada um dos livros também parece uma medida justa numa colecção heterogénea em termos de formatos, número de páginas e obras coloridas ou a preto e branco.

Num mercado hoje bem diferente do que existia há uma década quando a primeira série da Novela Gráfica foi lançada - e em parte (significativa?) também por causa da sua existência - o importante é que os títulos propostos encontrem os seus leitores e continuem, mesmo que pontualmente, a desafiá-los para lá das suas zonas de conforto.


Táxi Amarelo
Chabouté, segundo o romance de Benoit Cohen
Prefácio de Hugo Pinto
Levoir/Público
Portugal, 5 de Julho de 2024
195 x 270 mm, 176 p., pb, capa dura
14,90 €

(imagens disponibilizadas pela Levoir; clicar nesta ligação para ver mais pranchas ou nas aqui reproduzidas para as aproveitar em toda a sua extensão; clicar nos textos a cor diferente para saber mais sobre os temas destacados)

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