Frio abrasador
Grande admirador de Chabouté, embora tenha lido dele menos do que deveria e claramente se impunha, este era um dos livros que mais curiosidade me despertava na colecção Novela Gráfica 2020.
Num ano em que se editaram cerca de duas dezenas de adaptações literárias em BD no mercado português, esta não foge a essa (eventual) classificação. Partindo de um famoso conto de Jack London (1876-1919), tem como pano de fundo, a corrida ao ouro no Klondike, nos anos finais do século XIX, e centra-se exclusivamente na caminhada de um homem através das imensidões geladas canadianas, sob um frio cortante devido às temperaturas extremamente negativas.
Sendo este anónimo o protagonista, divide esse papel com o cão que o acompanha e com o frio que inexoravelmente avança ao longo do tempo, página após página, de forma insinuante, primeiro, depois completamente à bruta, deixem que escreva assim.
Se tudo isto já estava, obviamente, no conto original de London, o grande desafio de Chabouté era conseguir transmitir toda a angústia e ansiedade que dominam a narrativa através do seu traço. E apeteceu-me acrescentar um 'apenas' na frase anterior porque, apesar do texto escrito presente na maior parte das páginas, em jeito de comentário do narrador - ou de um diálogo com um só falante - a banda desenhada de Chabouté 'soa-nos' como muda, tal a preponderância do grafismo proporcional ao distanciamento que a forma escolhido para o texto proporciona.
Grafismo que - despudoradamente! - assenta unicamente em três ou quatro elementos: o homem, o cão que o acompanha, as silhuetas de umas quantas árvores e o branco intenso, imenso, crescente que domina tudo. E todos. E que só é pontualmente atenuado quando a cor - o fogo - é cirúrgica e brevemente aposta numas poucas vinhetas, acabando por vincar, paradoxalmente, o lado gélido que predomina.
E é aquela intensidade do branco - e do frio cortante que lhe está associado - que Chabouté consegue reproduzir - e partilhar connosco - de modo soberbo, sendo soberba também a forma como marca e evidencia o seu avanço avassalador.
Relato intenso e angustiante, que vinca o confronto entre o ser humano e a natureza e no qual esperança e desespero se confrontam constantemente, perante o leitor - no âmago do leitor! - espero que Acender uma fogueira não fique apenas como uma das escolhas mais acertadas da Novela Gráfica 2020, mas possa servir como ponto de partida para a edição de outras obras do autor em Portugal.
Adoro Chabouté, e espero que venha mais coisas dele para Portugal. Só tenho mais uma obra dele, que também é uma adaptação, o ´´Moby Dick´´,... e tive que comprar a edição espanhola, que diga-se de passagem, está bem bonita.
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