Algumas considerações
Como já foi anunciado, começa hoje a colecção Rio em mais uma parceria ASA/Público. São apenas quatro volumes, que correspondem à publicação integral desta obra com argumento da brasileira Louise Garcia e desenho do francês Corentin Rouge. Contando entre 64 e 80 páginas, cada álbum a cores, em capa dura, custará 10,90 €.
Antes de entrar propriamente na análise da obra, deixo algumas considerações sobre esta colecção, em particular, e sobre a estrutura das parcerias da ASA e da Levoir com o Público, em geral.
A primeira, é para realçar o facto de estas iniciativas serem anunciadas cada vez com maior antecedência. O que é bom para todos; para os leitores, porque podem planear atempadamente as suas compras; para a editora e o jornal, porque essa antecipação pode garantir mais algumas vendas.
Outro aspecto a destacar é que - mais uma vez, mas nem sempre - uma colecção vai mudar de ano. Mais uma vez é positivo para os leitores, que não sentem um vazio que noutros casos tem chegado a ultrapassar os dois meses; e é também positivo para editora e jornal, porque ocupam mais datas (mais semanas) com banda desenhada.
O terceiro aspecto é inédito: pela primeira vez, desde que o Público acolheu BD a par das suas edições, esta colecção vai ser quinzenal. Vai pesar menos no bolso dos potenciais interessados ou, mais exactamente, essa despesa vai ser distribuída ao longo de mais tempo.
Em paralelo, há outro factor interessante: pondo de lado obras únicas ou divididas em dois volumes, esta é a colecção mais curta que o Público propôs até hoje, o que pode indicar um novo paradigma nestas parcerias. Sendo verdade que longe vão já os tempos das colecções com 20 álbuns - a Novela Gráfica é a única que se tem aguentado na ordem dos 12/15 volumes - cada vez mais haverá tendência para diminuir a duração das colecções. Nas iniciativas mais extensas, o padrão é o volume inicial vendar mais e as vendas irem baixando significativamente ao longo do tempo. Mais uma vez, a Novela Gráfica é excepção, porque a importância individual dos títulos tem alguns reflexos nas vendas ao longo do tempo.
Se agora, no caso de Rio, vão ser são só 4 volumes, Airborne 44 e Operação Overlord de alguma forma já tinham dado o mote, com apenas 6 livros cada, sendo as narrativas autónomas em dípticos, no primeiro caso, ou mesmo álbum a álbum, no segundo.
Agora, com uma história fechada em 4 volumes, se por um lado haverá maior tendência para fidelizar os leitores ao longo dos dois meses que a colecção vai durar, também se abrem outras perspectivas de publicação de séries de curta extensão.
O futuro - ou mais exactamente a adesão dos leitores e as respectivas vendas, sempre - dirá se é este o caminho a seguir, ou se é apenas mais uma alternativa de publicação de banda desenhada com o Público.
Relativamente a Rio,
quero
destacar um
aspecto fundamental: tendo a argumentista Louise Garcia vivido no Rio
de Janeiro até à idade adulta, conhece bem a situação que
retrata, mesmo que, obviamente, exista na obra alguma liberdade
ficcional. Desta forma, aqui lo que nos é mostrado - a pobreza nas
favelas em oposição à vida opulenta de uns poucos, as lutas entre
gangues para controlo dos diversos tráficos (humano, droga,
armas...), a violência e a corrupção policiais - reveste-se de uma
maior credibilidade, dando um outro peso à história trágica dos
dois irmãos que protagonizam a banda desenhada: Rubens e Nina.
Ficando agora por aqui, remeto os leitores de novo para o texto que escrevi aquando da publicação da edição original francesa, pela Glénat, que encontrarão seguindo esta ligação. E saliento que todos os textos deste blog sobre esta obra estarão disponíveis durante a colecção nos separadores existentes abaixo do respectivo cabeçalho.
Mas fecho, com uma outra nota: o crescimento da Glénat como editora de origem de muita da BD que é actualmente publicada em Portugal, pois foi ao seu catálogo que as editoras portuguesas foram buscar colecções como, por exemplo, Descobridores, Eles fizeram História, A Sabedoria dos Mitos, O Guardião (no caso da Gradiva), Clássicos da Literatura em BD (Levoir) ou, agora, este Rio (ASA).
Curioso com esta coleção,...vou comprar.
ResponderEliminarSó violência. Que saudades dos heróis da revista Tintin
ResponderEliminarBanda desenhada de grande qualidade! Desenho excelente e argumento (simples) mas "bem trabalhado"! Violência q.b. (tinha que ser).
ResponderEliminarTambém tenho saudades dos herois da revista Tintim, mas isso não me impede de dar os parabéns à editora Asa (público).
Pois, os heróis da revista Tintin, já falei no Bob Morane por aqui recentemente.
ResponderEliminarJá podiam reeditar também Luc Orient, Martim Milan, Léo Gwenn, etc...
Não precisamos de mais Tintins, Astérix e Michel Vaillants pois não?
Mas na altura eu também lia À Suivre, gostava bastante das aventuras de Nestor Burma que estão criminalmente inéditas em Portugal, também lia a Totem, El Vibora, Métal Hurlant.
O leitor evolui e procura obras mais maduras, este "Rio" faz parte do género.
Caros Diogoi55 e Superbeasto, no que me diz respeito ,não fiquei entusiasmado com a viragem para o activismo social da BD franco-belga a partir dos anos 90. Mais, esse suposto activismo por vezes mais não é que uma desculpa para um festival de violência gratuita que encobre a incapacidade de muitos artistas contemporâneos em criar uma boa história. Daí a velha fórmula do sexo/violência. Para mim, que cresci a ler o Tintin a BD é aventura e escapismo. Gosto de heróis simpáticos e não dos pseudo-duraços, zangados com o mundo, de muita BD contemporânea. Faz falta um novo Hergé. Assim, por enquanto, se forem publicando material inédito dos anos de ouro da BD, vou comprando; quanto a estas publicações
ResponderEliminarmais recentes, passo.
Estou 100% de acordo, nem coloquei referências sobre heróis em ambientes extremos e violentos, referia-me à BD underground.
EliminarSobre o RIO, que eu comprei, trata-se aqui de uma abordagem tipo o que vimos nos filmes Cidade de Deus, Pixote, etc... tristemente o conteúdo reflecte uma actualidade violenta, mesmo em Portugal e que os media abafam em conluio com o regime vigente, eu por exemplo estou em um sítio sítio que se está a tornar um gueto, fuma-se drogas nas ruas, vandalismos regulares, facadas entre bandos nas zonas das estações de comboio, assaltos, uma realidade dessas é inescapável das artes e também pode ser revelada nas artes.
Com isto quero dizer que há espaço para todos os géneros na BD, no cinema, na literatura, na música e a arte é por sua natureza escapismo.
Eu comprei o RIO e não me lembro de no passado recente termos deste material sobre a realidade das cidades, é uma lacuna que faltava preencher pois já existe muito material mais suave a ser publicado recorrentemente e é bom haver publicações para todos os gostos.
O japoneses têm estilos de mangá para todos os tipos de leitores, crianças, jovens, adultos, seniores e aqui existe um bom equilíbrio editorial que serve a todos.
Caro Superbeasto, respeito os seus comentários sobre a chamada BD madura; longe de mim querer censurar-la; o que não faltam são nichos de mercado. Agora, no que me diz respeito, não tenho muito entusiasmo em ler BDs com braços a voar pelas páginas. Já me chega ser bombardeado diariamente com notícias violentas pelos meios de comunicação, para também estar a vê-la na bd. Prefiro que a BD que eu consumo seja um escape.
EliminarEste comentário foi removido pelo autor.
EliminarPosso fazer uma analogia entre realidade e escapismo no âmbito da violência.
ResponderEliminarVejamos uma situação real em que alguém é atropelado e voam pedaços do corpo, é brutal, chocante, muito rápido, feio de ver, não há poesia aqui, agora vejamos a mesma situação, agora no âmbito do cinema, pode ser uma abordagem tipo John Woo, o vilão depois de assassinar a namoradado do herói mais o cão dele e empurrado a avó pelas escadas abaixo é esmagado pelo herói que passa por cima do vilão com um tanque, em slow motion, vemos o choque, o impacto, os dentes a fragmentar, os ossos a liquefazerem-se, a cabeça idiota a saltar dos ombros, um olho espantado arregalado, o outro ejectado, enquanto isto sucede voam pombas brancas, soa música heróica e épica de John Williams, isto já é poesia e ninguém me diz que não funciona como escapismo, porque é irreal e o nosso cérebro entende a distinção.
O "RIO" é violento mas também está bem feito, é humano e enternecedor, pelo menos no primeiro volume, está feito com bom gosto.
Felizmente, neste momento, em Portugal é editada BD para (quase) todos os gostos. Não sendo possível comprar tudo, cada um tem de fazer as suas escolhas.
ResponderEliminarPessoalmente, se há alturas em que revisito - ou descubro - os heróis da Tintin ou do Mundo de Aventuras, noutras prefiro regressar aos clássicos norte-americanos. E noutras, ainda, procuro obras que reflictam o mundo actual ou que me mostrem possibilidades futuras.
Em todas elas, a diferentes níveis, sexo e ou violência só porque sim não me agradam; mas já fazem todo o sentido se forem devidamente integrados no contexto. Não consigo imaginar o Torpedo 1936 (por exemplo) sem - muito - sexo e violência.
Quanto a Rio, parece-me um retrato fiel - com a devida carga ficcional - de uma realidade que infelizmente existe e que a autora pode conhecer bem por ter nascido e crescido no Rio de Janeiro. A versão dela é uma visão pessoal em contraste, por exemplo, com o que André Diniz fez no seu Morro da Favela. O que não impede que ambas as obras, diferentes em tudo, sejam, para mim, de leitura aconselhável.
Boas leituras!
Caro Pedro não encontrei o seu texto sobre a edição em francês. Por acaso foi removido?
ResponderEliminarJá corrigi, Ivo.
ResponderEliminarBoas leituras!