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17/05/2012

Martha Jane Cannary

Les dernières années 1877-1903










Christian Perrissin (argumento)
Mathieu Blanchin (desenho)
Futuropolis (França, 13 de Abril de 2012)
215 x 29o mm, 112 p., branco e sépia, cartonado
22,50 €


Este álbum, último de uma trilogia, pode ser encarado de duas formas: a destruição ou a humanização de um mito.
Porque, disso não duvido, Martha Jane Cannary, aliás Calamity Jane, é uma daquelas figuras do Velho Oeste que o tempo, a tradição e as artes –a literatura, o cinema, a BD – se encarregaram de mitificar. Mesmo para aqueles que com ela puderam conviver. Um dos muitos mitos - e um dos mais fortes - que a sua época e o local (enquanto conceito alargado) em que viveu se encarregaram de desenvolver.
A intenção de Perrissin e Blanchin, no entanto, não é endeusá-la, mas sim mostrá-la na sua profunda humanidade. O que é mais evidente neste tomo da trilogia que lhe dedicaram (e que está também disponível num único tomo integral) que encerra a biografia romanceada aos quadradinhos de Martha Jane, porque corresponde aos seus anos finais, à época do seu declínio (acentuado) provocado pela solidão, o alcoolismo, a velhice e as doenças que o seu estilo de vida propiciou.
Por isso, longe da exploradora audaz e da atiradora ímpar que, possivelmente a nossa memória associava à sua imagem e que os tomos anteriores de certa forma privilegiaram, encontramos uma mulher a lutar pela sua vida – que no entanto preza pouco – como cozinheira, dona de uma lavandaria, enfermeira, artista de feira ou de circo, ou pouco mais (menos), minada pelas suas dúvidas, com saudades da filha que um dia abandonou, arrependida dessa atitude que a marcou e à qual foi incapaz de se declarar como mãe (embora por razões nobres e que vão além da sua vergonha…).
Não que não seja, mesmo assim, apesar de tudo isto, uma mulher à frente do seu tempo – com um pouco do “pêlo na venta” que Goscinny tãobem traduziu na caricatura de Calamity com que Lucky Luke se cruzou – com uma inextinguível sede de liberdade e de independência, emancipada e autónoma num mundo de homens – dos quais precisa e aos quais se entrega, aos quais se submete e com quem tem filhos que o seu abuso de álcool matou ou de quem mais cedo ou mais tarde se desligou – uma mulher de força, de vontade, de uma vivência única e marcante. Mas também uma mulher, profundamente humana, com muitas dúvidas e incertezas, em busca de reconhecimento e aceitação – em especial de si própria - minada, destruída pela vida que levou.
Combinando a narrativa directa com as cartas que escreveu à filha mas nunca enviou e com apontamentos – estranhos no tom geral do relato – do endeusamento que os escritores de folhetins então promoveram, Perrissin propõe-nos uma obra ritmada, bem documentada e credível. Para isso contribui de forma decisiva o traço semi-realista de Blanchin, com uma boa reconstrução de época, embora as personagens enquanto centro da narrativa se sobreponham aos cenários, traçada em sombrios tons de sépia, em que o realismo sobrepuja (logicamente) algumas passagens ficcionadas-
O conjunto, propicia uma leitura forte e emotiva, que assenta principalmente na dualidade – inerente a todo o ser humano – entre a realidade de cada um – e a ideia que cada um faz de si - e a impressão que provoca nos outros, aqui toldada, distorcida pela dimensão do mito face à pequenez do ser humano.


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