Paul Hornschemeier (argumento e desenho) Fantagraphics Books (EUA, 2007) 165x216 mm, 80 p., cor, brochado com badanas, 16,99 $USD
Que têm em comum o princípio da inexistência de movimento dos filósofos Zenão e Parménidas, os processos de criação em BD e a autobiografia? A(s) resposta(s) encontra(m)-se (ou não…) em "The three paradoxes", no qual Paul Honrschemeier começa por reflectir sobre a criação em BD, quando não consegue definir uma sequência para a BD que cria. Abandona-a, por isso, para ir dar um passeio nocturno com o pai, a pretexto de fazer fotos dos seus lugares de infância para uma correspondente online, mas buscando isso sim a companhia (a segurança?) do progenitor. Só que aqueles lugares trazem memórias, muitas memórias - que Honrschemeier vai narrando, em histórias paralelas, de traço e estilo diferentes, que revelam diferentes influências gráficas até - vincando o carácter autobiográfico do livro. Nessas recordações aleatórias, ele procura as soluções de que a sua BD precisa, em avanços e recuos que não o convencem. E que mostram também a encruzilhada em que ele se encontra pois vai encontrar - finalmente - a tal correspondente, por quem já se apaixonou (?) numa antevisão optimista do encontro… Se bem que na antevisão em versão pessimista, ela traga uma faca para o matar… "The three paradoxes" é, assim, uma narrativa sobre os processos da mente e a forma como eles condicionam a nossa percepção da realidade e um exercício no qual o autor joga com a forma e o conteúdo da obra que desenvolve - na sua BD e na realidade… da BD!
(Versão revista do texto publicado no Jornal de Notícias de 12 de Agosto de 2007)
Megan Kelso Fantagraphics Books (Estados Unidos, Junho de 2006) 165 x 216 mm, 136 p., cor, cartonado
"The Squirrel Mother" é uma compilação de histórias criadas por Megan Kelso entre 2000 e 2005, de que a Fantagraphics Books, fiel à sua tradição, fez um belo objecto, que delicia os olhos antes da mente. Porque este é um daqueles livros que dá prazer só pelo ver e sentir, desde a textura levemente rugosa da capa às cores suaves e aconchegantes utilizadas, complemento ideal do traço fino, pormenorizado e expressivo da autora. Que contrasta, depois, com a crueza - o realismo… - de algumas histórias. Porque o que Megan Kelso nos conta são vidas. Melhor, pedaços, pedacinhos de vidas. Dela ou de outras com quem se cruzou ou que a sua imaginação criou. Uma mãe (esquilo?) que trocou os filhos pelos seus sonhos - ilusões? Umas férias - sonhadas e de sonho - mostrados como que em slides (ainda alguém os usa?). Ou outras férias que, embora mais sonhadas - não é a adolescência a idade de todos os sonhos? - foram bem menos felizes. Adolescência que é tema recorrente, com as dificuldades, erros e dúvidas próprias da idade. Pedacinhos de vida que mostram também a crueldade inocente (?) das crianças, a magia da dança, o valor de certos objectos. Pedacinhos de vida a que Megan Kelso faz uma abordagem simples e delicada, quase só expositiva, sem (falsas) morais nem (pretensiosas) lições, em histórias curtas que se lêem num ápice mas que, às vezes, nos deixam a pensar.
(Texto publicado originalmente no Jornal de Notícias de 27 de Agosto de 2006 )