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06/10/2010

Local

Brian Wood (argumento)
Ryan Kelly (desenho)
Delcourt (França, Setembro de 2010)
173x264 mm, 328 p., pb, brochado com badanas


Resumo

Local é um “road-book” que conta as viagens de Megan McKeenan através dos Estados Unidos, de um extremo ao outro do continente. E que, narrando a sua história – excertos dela, pelo menos – narra também a história das personagens com quem a jovem se cruzou.

Desenvolvimento
A vida de Megan é estranha. Reflexo, com certeza, de muitas outras vidas, de muitas outras jovens norte-americanas (ou ocidentais) sozinhas em busca de um futuro e de descobrirem quem são.
Incapaz de criar raízes, de estabelecer relações – profissionais, de amizade ou com o sexo oposto – estáveis e duradouras, colecciona profissões menores e sem futuro, cursos inacabados e locais de vida, uns após outros, à medida que sente o vazio apoderar-se de si. Ou que as histórias que quis viver, começam a aproximar-se demasiado daquilo que geralmente se define como “vida normal”, com a devida dose de responsabilidade, compromisso e dedicação.
Por isso, erra pelos Estados Unidos, mostrando-nos tanto cidades grandes como pequenas, revelando num retrato breve delas os seus estereótipos (menos) e especificidades (mais), cruzando-se com gente normal e outra que nem tanto.
Entre os 20 e os 30, bonita sem deslumbrar, envelhecendo e amadurecendo ao longo do relato, Megan junta, sem dúvida, histórias suficientes. Algumas bem bizarras, para um dia contar aos seus netos. Ou não, porque não parece ser esse um dos seus objectivos de vida e algumas estão longe de ser apropriadas para crianças.
Ela - como nós – parece desconhecer o que procura. Ou aquilo de que foge… Descobri-lo-á, ao mesmo tempo que o leitor – após um longo périplo que a trará de novo ao ponto de partida. Menos jovem, mais madura, com mais certezas e muitas recordações. Boas e más, experiências de vida, umas procuradas outras surgidas do acaso. “Instantâneos de vidas, fragmentos”, define alguém quase no final do relato, que uma vez “organizados sequencialmente, fornecem uma história, maior do que a soma das diversas partes”. A história da vida de Megan, que fomos acompanhando mas que só faz sentido completo para ela.
Através de Megan, da(s) sua(s) história(s), publicadas originalmente ao longo de três anos, o argumentista Brian Wood traça um retrato aleatório de uma certa América e, em especial, da sua juventude. Uma juventude sem regras nem princípios, perdida em busca de orientação e modelos que a sociedade cada vez menos consegue fornecer. Um retrato contido e sensível, mesmo terno pode dizer-se, onde existe realismo e violência (mais psicológica que física, embora nas duas vertentes), amor e sexo, mas tudo de forma contida, sem gratuitidade nem o objectivo de chocar ou de vender, apenas elementos de vida(s) que ajudam a construir e consolidar a narrativa.
Nela, cada episódio, cada momento, se bem que alguns numa primeira leitura possam parecer “anormais” ou pouco credíveis, têm um propósito, um objectivo, fazem parte de um todo, falam de coisas importantes (do quotidiano, das relações e dos sentimentos dos seres humanos), sobre as quais importa reflectir. Sem afirmar que sabe tudo ou que detém verdades incontestáveis, antes de forma humilde e humana.
Falta falar do desenho de Ryan Kelly, contido, pormeno-rizado e agradável, feito não para deslumbrar mas posto ao serviço da extensa narrativa, pela qual nos leva – nos embala – sem quase darmos por isso.
Até aos episódios finais – que coincidem com o final da busca de si própria por Megan – magníficos, fortes e de grande impacto, notáveis na forma como aplicam no lugar todas as peças do puzzle que foram sendo fornecidas, congregando e moldando tudo o que ficou para trás, fornecendo o justo final para a tal “história de vida”.
Que aconselho vivamente a descobrir.
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