04/08/2010

Hans, o cavalo inteligente






Miguel Rocha (argumento e desenho)
Polvo (Portugal, Maio de 2010)
230 x 165 mm, 96 p., 2 cores, brochado com badanas


Desengane-se quem adivinha neste livro, por se tratar de uma banda desenhada, facilidade de leitura ou entretenimento ligeiro, pois uma das suas principais características é exigir ao leitor esforço e participação na elaboração, melhor, na interpretação da narrativa. Porque Miguel Rocha, mais do que contar uma história linear, optou por avançar algumas pistas, cabendo-nos interpretá-las e compô-las de acordo com a nossa sensibilidade, capacidade de interpretação e formação social e cultural. Porque, de cada leitura de “Hans”, facilmente resultará uma história diferente, muitas vezes díspar, até.
Na sua génese está o caso verídico, datado do final do século XIX, do equídeo alemão Der Kluge Hans (Hans inteligente), pertença do frenólogo Wilhelm Van Hostens, supostamente capaz de realizar operações matemáticas - incluindo o cálculo de raízes quadradas - que dava a resposta batendo com a pata tantas vezes quanto o resultado pretendido. Rapidamente transformado num popular fenómeno circense, originou a criação de uma comissão – a Hans Kommission - para avaliar se se tratava ou não de um embuste, que acabou por concluir que o animal era especialmente sensível à linguagem corporal dos espectadores, conseguindo pelas suas reacções “adivinhar” os resultados.
Adaptada da peça homónima de Francisco Campos para o Projecto Ruínas, estreada em Setembro de 2006, em Montemor-o-Novo, a banda desenhada de Miguel Rocha, assume uma forte componente teatral e dramática, até porque, muitas vezes, as personagens comportam-se como se estivessem num palco. E, na realidade, é lá que elas muitas vezes estão, havendo mesmo uma cortina a abrir e fechar o livro…
No entanto, a história de Hans em si, é apenas acessória, ou melhor, um elemento de ligação entre várias histórias, pois este livro é sobre relações (dependências?) humanas – ou a dificuldade de relacionamento entre humanos. Pois Van Hostens engravidou a irmã da mulher que amava, não consegue assumir (nem libertar-se) da relação com Ângela (que também não o consegue deixar), falha a abordagem à psiquiatra que devia avaliar Hans – e que também teve um caso mal resolvido com um dos seus pacientes…
Histórias que vão sendo contadas em flash-backs constantes, ao longo dos cinco capítulos (actos) do livro (das suas divisórias e das magníficas “páginas publicitárias” finais, ao estilo das que Alan Moore e Kevin O’Neil criaram para “A Liga dos Cavalheiros Extrardinários”), com os diálogos entrecortados com textos (declamações?) que conferem um tom algo surreal ao todo. Com todos os elementos do livro objecto a fazerem parte do relato enquanto tal.
Para esse tom surreal contribui também o virtuoso grafismo “enevoado” (digitalmente) de Miguel Rocha, mais impressivo do que expressivo, povoado de sombras e indefinições, que (logicamente…) utiliza tons cinzentos/arroxeados – em lugar das cores quentes e vivas doutros relatos – o que leva o leitor, muitas vezes, a ter que adivinhar mais do que o desenhar quis revelar.

(Versão integral do texto publicado na página de Livros do Jornal de Notícias de 26 de Julho de 2010)






1 comentário:

  1. Anónimo4/8/10 15:11

    Pobre cavalo inteligente!
    Eu ao menos falo, penso e escrevo comentários nos blogues!


    Falando a sério! Li o livro e achei-o interessante!


    Ass: blumm, o gato: um caso sério de inteligência!

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