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22/05/2020

Giorgio Fratini: "Sonno elefante é uma metáfora sobre a perda da memória de um lugar”




Passou-me por acaso pelas mãos e por isso decidi evocar aqui um livro com mais de uma dezena de anos. Intitula-se “Sonno Elefante – I muri hano orecchie” e o seu autor é o italiano Giorgio Fratini, com a curiosidade de ser uma obra sobre... a PIDE.
Para isso, recupero aqui o texto integral da entrevista que lhe fiz, publicada no Jornal de Notícias de 19 de Fevereiro de 2008, aquando da edição italiana da obra, que seria editada poucos meses depois em português, pela Campo das Letras.

20/08/2010

Este céu cheio de terra

Max Tilmann (argumento e desenho)
Campo das Letras (Portugal, Outubro de 2006)
170 x 237 mm, 128 p., cor, cartonado


Memória. A capacidade de retermos/recordarmos. Independentemente da nossa vontade. Porque tanto recordámos o que nos agrada, como, ironicamente, aquilo que mais queríamos esquecer…
Assim é a memória de cada um. A memória colectiva não funciona bem assim. É mais condicionada. Pelo que nos querem fazer lembrar e pelo que nos querem fazer esquecer - são sucessivos os "branqueamentos" históricos, políticos, religiosos, promovidos pelas mais diversas instituições, partidos, credos, e que ainda hoje existem, mais subtis, às vezes - pelo que nos querem apresentar como verdade…
As memórias são fundamentais para sabermos quem somos, quem fomos - para nos ajudar a definir o que queremos ser e fazer, apesar dos condicionalismos, das imposições. Por isso, recordar o passado é fundamental para construir o futuro - adivinhando-o, antecipando-o…
Por isso, também recordar Auschwitz é fundamental. Pelos branqueamentos/apagamentos cada vez mais frequentes que alguns (demasiados) querem fazer a um dos maiores actos de barbárie de que a espécie humana foi capaz - como foi capaz de queimar nas fogueiras da inquisição, de exterminar civilizações nas Américas, de tratar seres humanos como animais em África, como mata aos milhares - aos milhões - nos dias de hoje.
Max Tilmann (ou apenas M.T., que também se pode ler como Terry Morgan, ou Tom McCay, ou Murai Toynobu, ou …, tantos são os múltiplos heterónimos em que se tem desdobrado Manuel Tiago) em "este céu cheio de terra" recorda Auschwitz de A a Z (as letras inicial e final do local onde os nazis gasearam e cremaram milhões de judeus), através de um conjunto de aguarelas. Aguarelas imprecisas como que se dissolvidas por uma brisa, um vento ligeiro (o branqueamento que alguns pretendem?).
Mas aguarelas que, mesmo assim, ficam como uma névoa incómoda (o fumo dos fornos crematórios?) que não deixa esquecer, que acirra as nossas memórias e as faz voltar.
Aguarelas que, mesmo imprecisas - talvez não o sejam tanto assim… - nos contam uma história, uma história terrível e terrífica, em contraponto com as belezas naturais desta Terra não cheia de céu, muitas vezes um autêntico inferno. Como foi Auschwitz.
Aguarelas que nos mostram como fica esse céu, enevoado e sujo, cheio de terra, cheio das barbáries humanas desta terra.
Aguarelas que, parecendo desenhos soltos - podendo ser vistas assim - postas em sequência - uma vaga banda desenhada…? - contam uma história, em que soldados nazis, apenas vagos contornos, sem consistência (sem alma?), guardam e conduzem, presos (a cheio - gente, portanto…), quais animais em rebanho ordenado, para o inexorável final. Uma sequência narrativa sem palavras, sem mais palavras do que aquelas que a nossa memória for capaz de lhe apor, acreditando que a nossa memória - cada memória - ainda é capaz de as identificar e relacionar.
Durante quanto tempo mais, num mundo em que o momentâneo, o acessório, o imediato, são senhores e reis, e em que a tendência para a desculpabilização, a todos os níveis, é assustadora? Não sei responder, mas acredito que este livro possa contribuir para prolongar estas memórias mais um pouco. Menos, com certeza, infelizmente, do que era necessário. Mas mais algum, o que já fará com que cumpra a sua missão.

(Texto publicado originalmente no BDJornal #17, de Fevereiro/Março de 2007)
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