12/02/2012

Tintin não é racista







O Tribunal de primeira Instância de Bruxelas acaba de concluir aquilo que já (quase) toda a gente sabia, que “Tintin no Congo” não é uma obra racista, considerando que “face ao contexto da época, não havia intenção discriminatória da parte de Hergé”.
Termina assim uma polémica que se arrastava desde 2007, quando o cidadão congolês Bienvenu Mubuto Mondondo apresentou uma queixa contra a obra, publicada pela primeira vez em 1931, devido ao “racismo latente anti-congolês” que ela ainda provocava na sociedade belga.
Numa decisão com algo de salomónico, o tribunal considerou igualmente sem fundamento o pedido de indemnização “por procedimento temerário e vexatório” por parte de Mondondo que entretanto tinha sido interposto pela Casterman, editora dos álbuns de Tintin, e pela Fundação Moulinsart, detentora dos direitos sobre a obra de Hergé.
Com esta decisão, de alguma forma, todos ficam satisfeitos.
A Casterman e a Moulinsart, porque viram reconhecida (e reforçada) a sua posição e pela publicidade extra que este caso lhes trouxe.
A justiça belga, por três motivos: porque deu uma boa imagem de si própria, mostrando que qualquer um pode pedir a sua intervenção e obtê-la; porque tomou a (única) decisão que o bom senso impunha; porque, desta forma, fechou a porta a (muitos) processos similares que, num futuro não muito distante, poderiam visar qualquer tipo de obra, independentemente da data e do contexto da sua criação.
Finalmente, Bienvenu Mubuto Mondondo porque, apesar de (naturalmente) derrotado teve direito aos seus 15 minutos (na verdade, bem mais do que isso) de fama (bacoca) a que todos (supostamente) temos direito.


14 comentários:

  1. Se a estupidez pagasse imposto!...

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    1. Caro José Vítor Silva,
      Obrigado pela visita.
      Era a estupidez e a vontade de aparecer a qualquer custo! Resolvia-se a crise financeira num instante!
      Boas leituras!

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  2. Bolas... ainda bem que acabou assim!
    :D

    Abraço

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    1. Olá Bongop!
      Mas podia ser de outra forma...?
      Boas leituras!

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  3. É uma pena que esta não se torne uma oportunidade para pensar profundamente no que é que esta questão representava. Pelos vários parênteses que colocas no texto, Pedro, dá a sensação que a "conclusão" é clara, universal e inquestionável. Infelizmente, se bem que entenda que poderá haver da parte de quem colocou a questão da primeira forma poder estar a ter outros interesses menos elevados, e na verdade os tribunais não poderem estar a legislar sobre a História de uma determinada forma, a verdade é que "Tintin no Congo" não é uma obra totalmente desprovida de questões éticas muito problemáticas. Não poderás negar que É, sem sombra de dúvida, um produto do seu tempo, significando com isso um instrumento da propaganda própria de uma Bélgica colonialista e que cria profundamente na missão civilizacional do Cristianismo numa suposta "selvagem" África. Além do mais, o Congo nem era colónia belga, mas pessoal do rei! E todos os tintinófilos sabem que a famosa vinheta em que Tintin ensinava aos congoleses a "sua" capital, Bruxelas, na versão portuguesa (igualmente num período áureo e reforçado do nosso próprio colonialismo), passava a ser sobre a capital "Lisboa". Só na segunda versão do álbum é que passou a ser uma aula de matemática. Mas muitos dos outros aspectos que continuavam a mostrar a "superioridade" do bonzinho e branco belga Tintin (há maus brancos na história, mas vejam-se de perto) mantêm-se e isso é insustentável nos nossos dias. Claro que não gostaria de ver nem a obra "truncada" nem "censurada" por decisão judicial, pois isso não é forma de educar sobre a História. Mas cabe-nos a nós, leitores de segundo grau, ter algum cuidado em querer dizer que a obra é totalmente inocente do que a acusam.
    Toda a História está cheia de obras, umas menores outras maiores, que têm passagens que se tornam problemáticas em termos éticos e políticos numa outra época posterior. Isso é um dos aspectos que nos torna sempre possivelmente "um pouco melhor" que o passado (se bem que todos teremos sempre os erros das nossas próprias épocas). Não é razão para negar a História ou fazer desaparecer esses textos, mas é sim para os ler criticamente e inseri-los no seu tempo, percebendo em que eram moral e eticamente fortes e onde fracos. "Tintin no Congo", tal como outros álbuns do Hergé, têm os seus aspectos fracos.
    Boas leituras, sem dúvida, mas com atenção, não aceitação cega.
    Abraços,
    Pedro

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    1. Olá Pedro Moura
      Obrigado pela visita e, principalmente, pela boa leitura e por expressares a tua opinião e aprofundares a questão.
      Acredito, sim, que esta era a única opção possível. Até pelo grave precedente que iria criar, abrindo portas a futuros processos semelhantes a toda e qualquer obra (literária, musical, artística...) para além de pôr em causa Tintin, indiscutivelmente um dos símbolos da Bélgica.
      O que não significa que ignore ou queira de alguma forma branquear – desculpa lá se o termo soa pouco adequado – esta obra de Hergé que, claramente é das mais fracas que ele criou e tem – como No Pais dos Sovietes, por exemplo – questões éticas que não são de todo irrelevantes, pelo que agradeço que tenhas suscitado algumas bases para a sua discussão aqui. Pois não será, com certeza, o tribunal o melhor local para as dirimir.
      Dito isto, acredito que Tintin no Congo tem que ser julgado no âmbito do contexto social e político em que foi criado, sim, mas igualmente e à luz da obra global de Hergé, no qual há exemplos bem claros – nomeadamente em Carvão no Porão – da posição do autor relativamente aos negros. Corroborada, por exemplo, pela defesa que Tintin faz dos ciganos em As Jóias da Castafiore.
      Por isso, também, Tintin no Congo, deve ser publicada tal qual o autor a criou ou, no caso, tal como a corrigiu, atempadamente, a título pessoal – ou por imposição do editor, com a sua aceitação implícita. Pois isto, também, é liberdade de expressão.
      Senão, o resto dos dias até ao fim dos tempos, serão passados a reescrever, a corrigir, a adequar ao tempo presente ou a incluir notas de leitura, em livros, peças de teatro, filmes, pinturas, canções…

      Gostaria, também, de acreditar que somos sempre “um pouco melhor do que o passado” mas, sinceramente, olhando em volta, temo bem que estejamos (cada vez) mais longe disso, a vários níveis… e que daqui a 10, 20, 50 ou 81 anos, outros queiram também legislar, corrigir ou proibir os “Tintin no Congo” que hoje são criados…

      Um grande abraço!
      Boas leituras… atentas!

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  4. Como vc disse, Pedro, foi interessante a corte belga aceitar esse processo e aos que discutiram a justeza da reclamação tambem. Quanto a retratar os negros de forma estupida, varios autores (e Herge inclusive) reconheceram que não o deveriam ter feito. Logo, não havia a intenção de expressa de racismo,, Foi um deslize do autor. Como pode ter havido de gibis de super-herois contra a URSS e o Japão...

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    1. Caro Bira,
      Obrigado por particpar no debate.
      Como escrevi atrás, Tintin no Congo tem que ser lido à luz da época em que foi criado e como parte de uma obra global, na qual Hergé expressou opiniões bem diferentes, defendendo negros e minorias e acisando os que os oprimiam.
      Boas leituras!

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  5. Como é europeu Branco é deslize do altor .Tá !

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    1. Caro Ricardo Goulart,
      Obrigado pela visita.
      Não está em causa a nacionalidade ou a cor da pele de Hergé, mas a análise de um álbum específico - para mais fruto da sua juventude e inexperiência e do contexto social em que foi criado. Porque a leitura da obra posterior de Hergé - e as suas palavras como o Bira Dantas lembrou - refutam a eventual acusação de racismo que Tintin no Congo poderia suscitar.
      Boas leituras... de toda a obra de Hergé!

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  6. Mas se fosse africano e negro, tambem seria deslize do autor... O que eu acho e' que no passado, os cartoonistas não se preocupavam com questões raciais, mas na hora de desenhar um ladrão sempre o desenhavam negro. Quando iniciei nas BDs ha 33 anos, não achava isso correto, pois tinha muitos amigos negros que participavam de lutas sindicais, contra a carestia e contra a ditadura. Assim, sempre que desenhava um ladrão, ele seria branco. Pode parecer preconceito ao contrario, mas num pais como o Brasil, onde a discriminação era por "baixo do pano", eu achava importante -como criador de BD e Cartoons- nao reproduzir o preconceito vigente. Qualquer pessoa de bom senso e alguma inteligencia tenta fugir ao "senso comum". O primeiro quesito faltou a Herge, pois naquela epoca, ninguem dava bola para isso. Mas eu tambem não quero crucificar o Herge...

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  7. A questão é muito mais complexo do que alguma vez conseguiríamos debater num blog, mesmo que houvesse real vontade em fazer esse debate de modo sério.
    Eu serei a última pessoa a defender qualquer tipo de legislação que possa coarctar a liberdade das publicações, sabendo que historicamente isso desliza imediatamente para abusos e perigos constitucionais aos seus autores, ou até mesmo leitores. Em todo o caso, se li bem os artigos mais completos sobre este assunto, a ideia seria restringir a sua distribuição enquanto álbum supostamente "infanto-juvenil", ou pior, "um clássico". Logo, não sei se o processo "acabou bem", pois pode jamais ter "começado bem", apesar do gesto original ser mais do que bem-vindo, a meu ver. Tu próprio dizes que este processo poderia pôr em causa o Tintin, um dos símbolos da Bélgica. Pois bem, enquanto símbolo, precisamente, deve fazer parte dos discursos de uma nação pensarem profundamente sobre o que é que eles representaram num determinado momento e o que eles podem representar no futuro. "Branquear" a história é sempre perigoso, sem dúvida, mas querer apagar a utilização de Tintin enquanto instrumento de um determinado tipo de propaganda ideológica é exactamente isso. E pouco importa ao próprio Hergé ou aos seus paladinos dizerem que ele não fazia trabalho ideológico, pois não há pior ideologia do que aquela que não se vê a si mesma...
    Não nos podemos esquecer que Tintin, claro, é uma personagem fictícia e, mais, de vários livros, alguns dos quais foram sendo refeitos em vários aspectos. Mas apontar ao "Tintin no Tibete" ou ao "Carvão no Porão" e querer que os valores aí expressos passem para todos os outros livros, ocultando a relativa ignorância que se apresenta em "O Templo do Sol", o posicionamento político conservador liberal em "Entre os Pícaros" ou o mais antigos, é um exercício de pura preguiça mental.
    Atenção, nós não estamos isentos deste exercício enquanto portugueses. Sempre que oiço alguém fazer rasgados elogios dos "Descobrimentos" ou de como "abrimos mundos ao mundo", sinto um arrepio na espinha por essas mesmas pessoas se esquecerem do que isso significou enquanto história do esclavagismo, e dos crimes que isso implicou. Aliás, em muitos dos comentários em torno da acção deste cidadão do Congo, um pouco pela internet, a cabeça do racismo aparece de imediato, usualmente pintalgada de uma estúpida ignorância da história colonial, que criou as bases precisas pela miséria em que muitos desses países hoje vivem, e que servem somente para que os "brancos" não compreendam porque é que os africanos não aproveitaram a nossa "missão civilizadora". É nestas atitudes que se apanham nas curvas os ignorantes perigosos.
    (Continua)

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  8. Ora, "atacar" Tintin não é assim tão displicente como isso. Há matéria suficiente para o estudar, no contexto da sua época, e demonstrar como era de facto um trabalho conservador em varias dimensões. O contraste tem de ser feito com outros trabalhos gráficos do mesmo espaço europeu e que revelavam princípios bem mais atentos ao sofrimento dos outros, à condição de subalternos e á necessidade de combater pela dignidade humana universal. Apelar ao facto de que o "tintin" era simplesmente uma revista infantil, loho, que não valia a pena fazer um trabalho mais sério, é areia para os olhos. Não quer isto dizer que tenhamos agora que queimar livros em praça pública, mas pelo menos encetar estas discussões e não proclamar de forma final que "Tintin não é racista" (ou que "Tintin é racista"). Mais, o facto de um autor se desculpar mais tarde não dirime as responsabilidades da obra, que fica. A banda desenhada está cheia de representações negativas do Outro (veja-se o livro de Frederik Strömberg, "Black Images in the Comics" para apanhar de tudo, de McCay a Eisner, de Tezuka a outros... o problema é que a representação redutora de África continua hoje a ser feita na banda desenhada mais comercial) e é preciso apontar o dedo.
    Presumo que saibas (e os outros leitores) que o "Noddy" da Enid Blyton tenha sido alvo de uma revisão histórica, fazendo desaparecer o Golliwog. Eis um caso que seria curioso estudar comparativamente. Neste caso, acho que fizeram bem em apagar essa figura, uma vez que é dirigida a crianças muito novas. Não acho que as crianças sejam estúpidas, mas há uma idade em que elas são muito susceptíveis a representações, e cabe-nos a nós (pais, professores, críticos, seja lá o que for, cidadãos!) guiá-los para que tenham bases positivas e cresçam com mecanismos de autonomia e defesa. Deixar andar a esperar pelo melhor leva a resultados horríveis.
    Quanto à liberdade de expressão, também tem muito que se lhe diga. Ela não nos dá direito de dizer tudo, mas sim, como ao Homem-Aranha, de assumirmos as nossas responsabilidades perante a sociedade. Há, tem de haver, um limite à intolerância, apesar de Voltaire. Por isso, não é um desejo à censura instituída, de forma alguma, mas por uma educação transversal que impeça que se façam "Tintins no Congo" hoje, para que não haja problemas amanhã.
    Abraços.

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  9. Manuel Caldas16/2/12 08:51

    O problema deste “Tintin no Congo”, de 1946, é que NÃO É um produto da sua época, mas antes um falso produto da sua época, e mesmo independentemente disto é uma obra medíocre. O verdadeiro produto da sua época e da idade do seu autor é a primeira versão, de 1929, obra absolutamente deliciosa, quase obra prima. A versão de 1946 (que posteriormente também teve correcções – pelo menos uma) é um erro crasso. Insistir na reedição desta e não na outra é como alguém que cresceu fisicamente continuar a comportar-se e a falar como criança.

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