A escala do mundo em criança
“Con
el tiempo, uno se da cuenta de que cada visita a un recuerdo supone
una sutil reescritura del mismo, de acuerdo a nuestra visión del
mundo em cada momento.”In
Ronson
Antes
de ser aberto - e cada vez mais nos nossos dias - o livro, enquanto
objecto físico, tem uma importância fundamental (para a leitura que
se irá seguir). A
textura da capa, as eventuais aplicações feitas nela, o tipo e a
gramagem do papel, o cheiro, o
peso… tudo isso pode contribuir para uma leitura deleitosa… ou
desgraçá-la mais do que é imaginável.
Ronson
exemplifica o que escrevi de
forma admirável.
A capa, para lá da belíssima imagem, tem os pretos e brancos em relevo e uma lombada que imita pele [‘detallicos de producción finos-finos’, lê-se na ficha técnica, na página da editora...]. Esta ‘nobreza’ delicada, contrasta de forma quase chocante com as suas bordas, com o cartão cinza do fundo ‘em bruto’. Para além disso, tem os bordos das páginas opostos à lombada recortados - recortados como nas fotos antigas…?
O que faz todo o sentido, porque Ronson é um sereno passeio por memórias de infância, de alguém que viveu (quase até à idade adulta?) numa pequena povoação, que o tempo e as pessoas já esqueceram.
Recordações moldadas pela passagem dos anos, ajustadas pela pequena dimensão e a ignorância (da vida) que a criança que as viveu apresentava - e cada recordação é parte de um processo iniciático de descoberta e crescimento - recordações que tendo pouco ou nada a ver com as minhas - citadino desde o nascimento - provocaram uma nostalgia, um sentimento misto de felicidade perdida mas por curtos momentos reencontrada, e uma quase identificação com o autor deste passeio nostálgico.
Autor que assina César Sebastián, que surpreende pela riqueza assertiva da sua escrita, pela forma serena, madura e ponderada - embora imensamente emocional - com que desfila perante os nossos olhos, em páginas de planificação tradicional de três tiras de duas vinhetas, marcadas com um traço fino e detalhado e uma sábia aplicação localizada ou preponderante da cor (mostarda caqui?) que acompanha o preto e branco, estas memórias que, afinal, não podem ser suas, pois apesar de soarem tão pessoais, tão sentidas, datam do princípio dos anos sessenta, quase trinta anos antes do seu nascimento…
O que é pouco importante perante um livro - o objecto e o seu conteúdo - que emociona, marca indelevelmente e a que nos sentimos obrigados a voltar.
“...sigo
buscando refugio em los vestigios de mi infancia más remota.”In
Ronson
Ronson
César
Sebastián
Autsaider
Cómics
Espanha,
Março de 2023
170
x 240
mm, 128
p., preto, branco e,
capa dura
20,00
€
(imagens disponibilizadas pela Autsaider Cómics; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão)
Li e posso dizer que foi um dos livros que ultimamente mais gostei.
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