Não me refiro à passagem a outros meios, que tem acontecido recorrentemente, desde os primórdios da própria BD enquanto género popular – em filmes e séries televisiva ou mesmo em espectáculos musicais ou teatrais – mas sim a histórias aos quadradinhos publicadas em 3D. Que, tal como acontece com os filmes hoje em voga, em especial no que à animação diz respeito, estão longe de ser novidade.
A exemplo do cinema, para que o leitor possa desfrutar do efeito tridimensional pretendido, necessita de um par de óculos especiais, neste caso com uma lente vermelha e outra azul. E, tal como no grande ecrã, a sua não utilização transmite a sensação de que as imagens estão desfocadas.
Ao contrário do que se possa pensar, na maior parte dos casos, as obras não são criadas de origem para serem impressas em 3D. Este efeito é obtido, imprimindo em duplicado cada imagem, em duas cores diferentes, com um ligeiro desfasamento. Na prática, isto potencia o chamado efeito de paralaxe já existente na visão humana, fazendo o uso dos óculos com que cada um dos olhos veja uma das imagens, recebendo o cérebro a sensação de profundidade.
As primeiras experiências de quadradinhos a três dimensões, datam dos anos 50, quando as imagens em 3D tinham grande popularidade. Como não podia deixar de ser, um dos primeiros heróis escolhidos foi Superman, mas os resultados não foram famosos, quer porque parte das legendas foi também submetida ao mesmo tratamento, o que as tornou ilegíveis, quer porque ao fim de pouco tempo os óculos provocavam dores de cabeça.
Igualmente da mesma época é uma revista 3D do Mighty Mouse, que causou como que uma “experiência religiosa” em Ray Zone, então com seis anos, como ele revela no seu site (http://www.ray3dzone.com/), tendo decidido dedicar a sua vida ao 3D.
Por isso, Zone, desde os anos 80, para além de ter participado na produção de diversos filmes de animação e com actores, é o responsável por quase todas as edições de BD do género publicadas nos Estados Unidos, algumas mesmo de sua autoria.
O que na prática representa quase centena e meia de títulos de dezenas de editoras, alguns obscuros, outros protagonizados por heróis bem conhecidos como Spirit, Steve Ropper, Krazy Kat, Phantom, Simpsons, Superman, Batman, Donald, Mickey, Patinhas, Roger Rabbit, Transformers, X-Men, Hulk ou Flash Gordon, aplicando Zone a sua técnica à arte “plana” de alguns dos maiores nomes da banda desenhada, em edições quase sempre de número único, destinadas a assinalar alguma data marcante ou utilizadas como truque de marketing.
Por isso, se um dia destes, abrir uma revista de BD e uma bala do Fantasma lhe assobiar aos ouvidos, o Super-Homem passar a voar ou receber, escapar por pouco a um murro do Hulk ou receber em cheio uma fisgada de Bart Simpson, não se assuste. É apenas uma BD a três dimensões!
Entretanto, a ser verdade o que a Image Comics anuncia há já algumas semanas, o one-shot “Captain Wonder”, a lançar em Fevereiro, apresentará o mais avançado 3D alguma vez utilizado em quadradinhos que, no entanto não dispensará os tradicionais óculos, como habitualmente oferecidos com a revista.
Escrito e desenhado por Brian Haberlin e Philip Tan, com experiência em séris como Witchblade, Spawn, Green Lantern ou X-Men, narra a história do Captain Wonders, desaparecido após 24 anos de generosos serviços em prol dos seres humanos, estando agora todas as esperanças depositadas em Billy Gordon, um menino de 10 anos, que é o único a saber do seu paradeiro. Até agora a editora apenas disponbibilizou a capa, onde o efeito tridimensional está bem patente, e três páginas anteriores à aplicação do 3D.
A Image Comics, que foi criada em 1992 por sete autores saídos da Marvel, entre os quais Todd MacFarlane e Jim Lee, descontentes por não terem a posse e o controle criativo sobre o seu trabalho, já tinha feito uma forte aposta na banda desenhada 3D em 1997 e 1998, publicando dessa forma WildC.A.T.S., Gen 13 ou Astro City, alguns dos seus principais títulos.
(Texto publicado no Jornal de Notícias de 8 de Janeiro de 2011)