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30/07/2012

Nos 45 anos de Corto Maltese


















Três acontecimentos separados por mais de meio século, balizam o percurso de um dos mais emblemáticos (anti-)heróis que a banda desenhada já conheceu.

Novembro de 1913: em pleno oceano Pacífico, um catamaran encontra à deriva duas embarcações, um bote com um jovem casal e, depois, uma jangada com um branco amarrado.
1943: um italiano de 16 anos é repatriado para Itália, depois de dois anos num campo de concentração nazi.
Julho de 1967: a revista italiana “Sgt. Kirk” estreia no seu primeiro número “Una Balata del mare salato”, longo romance desenhado que viria a contar 163 pranchas a preto e branco e rompia com (muitos d)os cânones estabelecidos para o género.

Mas, afinal, o que une estes três acontecimentos? A resposta é simples: o italiano chamava-se Hugo Pratt, e apesar de jovem tinha e já uma longa vivência, fruto de um périplo por vários países. Essa experiência, depois de anos dedicados aos quadradinhos, entre Itália, Argentina e Inglaterra, em que criou “Asso di Piche”, “Sargento Kirk” “Ernie Pike” e muitos outros relatos que a traiçoeira memória nem sempre evoca, serviu-lhe de inspiração, já homem maduro, para escrever e ilustrar a BD citada, na qual o branco à deriva na jangada, que tinha por nome Corto Maltese, surgiria pela primeira vez (na quinta prancha), mas apenas como personagem secundária de um relato que tinha como verdadeiro protagonista o oceano.
Oceano que Corto cruzaria várias vezes, percorrendo meio mundo na esteira do seu alter-ego, da Veneza (natal de Pratt) a terras sul-americanas, da ensolarada Etiópia às místicas terras celtas, das imensidões geladas da Sibéria à mítica Atlântida.
Ao lado ou em oposição ao pérfido Rasputine, em desafiador equilíbrio com o guerreiro/filósofo Cush, nelas conheceu belas mulheres, com Pandora acima de todas, – cujos corações muitas vezes destroçou mas a quem nunca se prendeu – aliou-se ao IRA e a outros revolucionários, foi iniciado nos mistérios das artes místicas brasileiras, do Talmude e da Tora judaicos, vivenciou o tango argentino, descobriu descendentes de civilizações perdidas, presenciou atentados, roubos e actos menos lícitos, filosofou sobre a vida e a morte, viveu ou sonhou aventuras que fizeram e continuam a fazer sonhar gerações.
Relatos abertos em que a base histórica, o tom ficcional, a grande aventura e o onirismo só possível aos grandes criadores se equilibram, desenhados com brancos luminosos e negros absolutos, em contrastes marcantes e poderosos, num traço depurado e, muitas vezes, simbólico, repleto de silêncios, inspirado no grafismo dos quadradinhos dos mestres Milton Cannif e Will Eisner e no espírito dos romances clássicos de aventura de Kipling, Stevenson, Conrad ou Melville.
Marinheiro errante, perseguidor de utopias, defensor das causas (que considera) justas, louco ou corajoso, irresponsável ou aventureiro, anarquista, libertário, romântico, com uma enorme sede de liberdade e seguro de ser o seu único senhor, Corto, cidadão do mundo embora natural de Malta, onde terá nascido a 10 de Julho de 1887, filho de mãe cigana e de pai marinheiro, protagonizou centenas de pranchas em quase duas dezenas de livros, tendo ficado por narrar o seu desaparecimento, nos anos 30, na guerra civil espanhola, a última utopia de um mundo cada vez mais controlado e global.
Alter-ego do seu criador, partiu com ele em 1995, ano em que Pratt fez a sua última viagem, rumo ao paraíso dos grandes criadores. Talvez por isso, os anúncios de um eventual regresso por outras mãos, até hoje nunca se concretizaram. Felizmente?
Para nossa sorte e deleite, continua vivo, nas páginas aos quadradinhos que Pratt nos legou, sempre pronto a partir em busca dos sonhos que a maioria de nós não nos atrevemos a ter.

Estreado entre nós nas páginas da revista Tintin, no nº 743, de 15 de Março de 1975, talvez trazido pelos ventos de liberdade que sopravam então no nosso país, Corto foi mal-amado por muitos dos seus leitores que, habituados ao classicismo da BD franco-belga, consideraram a obra-prima de Pratt “mal desenhada”.
Em álbum a Bertrand editou “A Balada do Mar Salgado”, tendo as Edições 70 lançado os outros 16 títulos disponíveis, entre 1979 e 1988. A passagem para o catálogo da Meribérica/Líber, apresentou a novidade da cor, em belas aguarelas de Pratt e os seus assistentes, e de introduções profusamente ilustradas, assinadas pelo seu criador. Depois de um volume na colecção Clássicos da BD, do Correio da Manhã, de passagens pelas duas séries das Selecções BD e de uma colecção em conjunto com o jornal Público, que contou 16 volumes mais um guia de leitura, actualmente, a ASA tem em curso uma nova reedição, num formato ligeiramente inferior ao original, na qual os locais de passagem de Corto são revisitados pelo escritor Marco Steiner e o fotógrafo Marco D’Anna.
Em português estão também disponíveis “As Mulheres de Corto Maltese” (assinado por Pratt e Michel Pierre, da Meribérica) e “O desejo e ser inútil” (Relógio D’Água), célebre entrevista de Dominique Petifaux ao autor veneziano, duas obras fundamentais para melhor conhecer o seu universo único.
O aniversário que agora passa, fica marcado por “Corto Maltese no Século XXI”, a quarta edição do fanzine Efeméride, de Geraldes Lino, em cujas páginas algumas dezenas de criadores gráficos portugueses, quase todos clonando o traço de Pratt, evocam, homenageiam e parodiam o marinheiro errante.

(Versão revista do texto publicado no Jornal de Notícias de 24 de Julho de 2012)


19/12/2010

Selos & Quadradinhos (11)

Stamps & Comics / Timbres & BD (11)

Tema/subject/sujet: Invito Alla Filatelia I Fumetti – Tex e Corto Maltese
País/country/pays: Italía/Italy/Italie
Data de Emissão/Date of issue/date d'émission: 1996

21/10/2010

Corto Maltese – Mü, a cidade perdida

Hugo Pratt (argumento e desenho)
Edições ASA (Portugal, Maio de 2010)
235 x 305 mm, 198 p., cor, cartonado

“Prefiro acreditar que uma coisa estranha e bela que ainda não conheço, conseguirá vencer a lógica sem piedade que tive de engolir e da qual ainda não consegui libertar-me…” (Corto Maltese, p.135)


Entre as muitas personagens emblemáticas que a banda desenhada nos deu ao longo de pouco mais de um século de existência (oficiosa), Corto Maltese ocupará sempre um lugar de destaque. Pela sua personalidade e pela forma como isso o fez saltar para lá dos limites dos quadradinhos, enfeitiçando e seduzindo (mesmo) aqueles que nutrem pouca (ou nenhuma) consideração pela 9ª arte.
Criado pelo veneziano Hugo Pratt (1927-1995) em 1967, na sublime – e para muitos inultrapassável – “A Balada do Mar Salgado”, este marinheiro romântico e errante – seguindo os passos do seu criador de quem é perfeito alter-ego –, com sede de liberdade e o horizonte como único limite, defensor de causas perdidas e de ideais utópicos – não são assim todos os ideais? -, personalizou de forma intensa e invulgar, os sonhos, paixões e ambições de gerações de leitores que, com ele, viveram realidades (oníricas?) de outra forma impossíveis de concretizar.
O presente álbum, marcou o regresso das suas aventuras às livrarias nacionais, numa nova edição, colorida – para mim um senão, porque prefiro de longe o preto e branco contrastado de Pratt -, de formato ligeiramente inferior aos álbuns originais (mas sem prejuízo de maior para o desenho), complementada com uma bela introdução de Marco Steiner, ilustrada com fotos de Marco D’Anna, sobre alguns dos mistérios da História da humanidade que ainda subsistem nos nossos dias.
Se a escolha de “Mü, a cidade perdida” para este regresso é perfeitamente justificável, por ser a única aventura de Corto que não teve distribuição comercial nas livrarias portuguesas (foi apenas integrada na colecção vendida com o Público) – ela é também, no entanto, de certa forma, o seu canto do cisne, não só por ter sido a última história escrita e desenhada por Pratt, mas também por ser uma das mais estranhas (e irreais) aventuras que o marinheiro viveu. E onde se adivinha um certo tom de celebração da série, pela reunião de algumas das personagens com quem Corto se foi cruzando ao longo do seu percurso: Rasputine, Boca Dourada, Steiner, Tristan… a par de outras que agora vai conhecer.
A história, complexa, densa, recheada de referências, combinando factos comprovados, lendas e fábulas, começa com uma discussão sobre História, com os Maias como pano de fundo, e um escafandrista – o próprio Corto – à procura, mais uma vez (sempre!), desta vez do lendário (?) continente de Mü. Se o encontrará ou não – com quem e como – cabe ao leitor descobrir, de mente e espíritos abertos, para viajar no tempo e no espaço, no mundo real e também no dos sonhos.

“- Já não distingo o sonho da realidade.
- São duas vias paralelas. Porquê limitarmo-nos a uma só?” (p.166)
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