António Altarriba (argumento)
Kim (desenho)
Ediciones del Ponent (Espanha, 14 de Maio de 2009)
170 x 240 mm, 208 p., pb, brochado com badanas
22,00 €
“El Arte de
Volar” é um livro sobre voar. Voar nas asas do sonho, voar pelas ambições que
temos. Ou, vendo melhor, é um livro sobre sonhos por realizar, falhanços e
frustrações.
“El Arte de
Volar” é um livro que traça um retrato – duro, realista, factual - da sociedade
espanhola do século XX. Um período de 100 anos que abarcou duas guerras
mundiais e uma civil e uma ditadura, com as inevitáveis consequências sociais:
a pobreza, a falta de bens essenciais, o choque inevitável entre amigos,
vizinhos e conhecidos, a repressão, a perseguição política, a delação, a
emigração…
“El Arte de Volar” é uma história de ilusões:
a ilusão da cidade para quem vive (na miséria) no campo. A ilusão da técnica e
da tecnologia para quem trabalha com as mãos. A ilusão dos ideais para quem
vive em ditadura. A ilusão do estrangeiro onde se busca o que o país não dá. A
ilusão do regresso ao país natal, quando o estrangeiro nos trata igualmente
mal. A ilusão do conhecimento A ilusão da religião. A ilusão da amizade. A
ilusão do casamento. A ilusão…
“El Arte de
Volar” é uma obra adulta, que mostra a maioridade de um género narrativo: as
histórias em quadradinhos.
“El Arte de
Volar” é uma história universal, pois retrata uma realidade que foi de muitos
(espanhóis) ao longo de décadas.
“El Arte de
Volar” é uma história particular, a de António Altarriba Lope, pai do argumentista,
que se suicidou a 4 de Maio de 2001. Voando – literalmente – pela primeira e
última vez, num voo picado de uma janela de um 4º andar até ao pavimento da rua
que o recebeu de braços abertos. Voando – metaforicamente – pela primeira e
última vez, rumo à felicidade que nunca gozou – ou pelo menos liberto desse
anseio que nunca concretizou, liberto de todas as (muitas) correntes com que (um)a
vida (de frustrações e desencantos) o agrilhoou.
A reter
- O tom
profundamente humano - e adulto - deste relato desenhado, um fresco magnífico
de um século de vida(s) do país aqui ao lado que poucas vezes conhecemos como
poderíamos (deveríamos?) conhecer.
- A forma como
Altarriba - o argumentista - se identifica com Altarriba - o protagonista e seu
pai - fazendo suas as suas dores, as suas mágoas, as suas chagas, as suas
frustrações, o seu desencanto, mas sem nunca cair na lamechice, na
autocomiseração ou no lamento fácil, optando, apesar de toda a carga emocional
– que viveu e partilha com o leitor - por um relato factual e com algum
distanciamento, que torna mais pungente e doloroso o que através dele transmite.
Menos conseguido
- De férias
em Madrid, no Verão passado, tinha este livro referenciado e estive com ele na
mão. Mas, devido ao desenho, acabei por não o trazer. Perdi – não tudo graças
ao empréstimo que entretanto me fizeram (obrigado Petracchi!) – a oportunidade
de o ler mais cedo. E de reconhecer que o traço de Kim, se não é especialmente
vistoso, é de uma extrema legibilidade e soube despir-se das suas
características mais caricaturais para transmitir o tom realista adoptado pela
narrativa, dando a primazia a esta, sendo apenas o veículo que sustenta uma
grande banda desenhada. Uma grande história tout-court, independentemente do
género narrativo utilizado para a narrar.
Curiosidade
- Entre
muitas outras distinções, “El arte de Volar” recebeu o Prémio Nacional de Comic
20120, atribuído pelo Ministério da Cultura espanhol. Justamente, em meu
entender, independentemente das outras obras a concurso.