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21/01/2011

Onírica

Beroy (argumento e desenho)
Glénat Espanha (Espanha, Novembro 2010)
166 x 230, 288 p., pb e cor, cartonado, 24,00 €


Resumo
Recompilação integral de quatro álbuns – Doctor Mabuse, 666/999, Ajeno e La Enfermidad del Sueno – de Beroy, um dos autores surgidos no boom que a banda desenhada espanhola viveu nos anos 80.

Desenvolvimento
E nesses anos 80, eu – como muitos outros portugueses apreciadores dos quadradinhos – assinei ou comprei muitas das revistas (e álbuns…) que então pululavam em Espanha: 1984, depois Zona 84, Cairo, Cimoc… Revistas onde, a par dos grandes nomes da BD mundial, eram publicados alguns dos autores mais interessantes e estimulantes de então, como (e cito de cabeça, esquecendo outros tantos) Prado, Torres, Pere Joan, Mique Beltran, Abuli, Bernet, Trillo, Segura, Ortiz, Font, Pasqual Ferry, Carlos Gimenez…. E Beroy.
Agora, ao surgir a oportunidade de (re)descobrir um dos autores mais inquietos – e inquietantes – da sua geração, confesso que hesitei um pouco, temendo que o tempo tivesse deixado a sua marca…
E, sem dúvida, nalguns pontos isso aconteceu. Descrevendo cenários apocalípticos e realidades de pesadelo, quando escreveu estes álbuns, beroy apontava um eventual fim do mundo para o inevitável ano 2000, marco já ultrapassado sem que nada de especial (nos) acontecesse. A par disso, referências a uma “doença sexual” que contribuiria para o fim da humanidade e à (ainda) incipiente realidade informática de então, surgem hoje deslocadas e não fazendo muito sentido. Mas a verdade, é que se tratam de pormenores de somenos importância no conjunto, que não retiram valor nem interesse a estas quatro obras que narram a ascensão ao poder do misterioso Dr. Mabuse, a chegada do Apocalipse, a concretização de uma maldição lançada durante a Guerra Civil Espanhola ou os inquietantes caminhos do sonho.
Porque, fora isso, e pese embora a espaços a utilização de um texto algo excessivo e teatral, estas obras de Beroy mantêm intactas todas as características que chamaram a atenção sobre elas quando foram originalmente publicadas.
A começar, desde logo, pelo clima de pesadelo, a sensação opressiva misto de loucura e angústia que atravessa os quatro relatos, o temor do desconhecido, o ambiente místico e fantástico, o temor descontrolado em relação ao amanhã, a fraqueza do amor face ao horror e à morte… Temáticas incómodas e capazes de provocar angústia, mas que mesmo assim arrebatam o leitor e o levam a mergulhar na realidade aterradora que Beroy imaginou. Como me acon teceu então, como me voltou a acontecer agora.
Tudo tendo por base um traço único que conjuga estilos para (re)desenha espaços e cidades – em especial Barcelona… -, conferindo-lhes uma modernidade que contrasta com os muitos sinais do passado, onde os seres humanos – a maioria meros joguetes nas mãos de uns poucos - parecem quase deslocados e fora do contexto, embora sejam eles – alguns deles – a gerar a acção, a provocar os cataclismos, a invocar seres demoníacos, a gerar autênticos pesadelos acordados para os seus semelhantes. E para nós, leitores.
Por isso, melhor, também por isso, não surpreende que, nas prateleiras das personagens de Beroy, encontremos livros de Poe, Wells, Kafka, Orwell… Juntando-se às influências claras e assumidas de Lovecraft ou Fritz Lang, na construção de um universo grandioso e aterrador de bases sólidas e inquietantes, embora não haja ligação directa entre os quatro relatos apresentados.
Ou, voltando aos livros nas estantes, ainda um deslocado exemplar do Little Nemo de Winsor McCay pois, mais do que o sonho que McCay tão bem ilustrou, este livro aborda (e transborda da sua antítese, o) pesadelo, sendo mais ajustado, até, que fosse esse o seu título.

A reter
- A possibilidade de reler a obra de Beroy, em versão integral, tantos anos depois.
- O magnífico aspecto do objecto livro.
- O dossier final, repleto de estudos, esboços e capas alternativas, bem como de um divertido texto sobre o autor.
- A fabulosa utilização da cor por Beroy, de que se lamenta estar presente apenas numas poucas pranchas, embora seja sem dúvida o seu preto e branco contrastante o que melhor se adequa a pintar os cenários dantescos e as narrativas em que imperam o medo e o terror.
- A nota da página 174, actualizando para 2010 uma nota originalmente datada de 1987, pois é apenas um pequeno pormenor no cuidado editorial que este livro denota. E que devia ser uma constante e não uma excepção…

Menos conseguido
- … o que no entanto não evitou que uma página de
Ajeno (esta aqui ao lado) tenha ficado esquecida fora do livro! Solução, trocar gratuitamente o exemplar incompleto, por um da nova edição em breve disponível.
- O tamanho do álbum, que impôs uma redução excessiva aos originais, tornando difícil a leitura de algumas legendas. Mesmo tendo sido opção do próprio Beroy.
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