No passado dia 2, foi publicada a derradeira tira diária de Brenda Starr. Estreada nos jornais norte-americanos a 30 de Junho de 1940, a heroína criada por Dale Messick foi uma das primeiras da extensa linhagem de jornalistas dos quadradinhos.
Curiosa-mente – ou talvez não – os heróis de papel raramente são reconhecidos pelo que fazem na sua profissão. Tintin, o mais antigo (?) e o mais famoso jornalista europeu da BD, é conhecido como “o repórter que nunca escreveu uma linha”; o que não deixa de ser falso, pois o herói criado por Hergé em 1929, produziu uma – única mas - volumosa reportagem nas páginas iniciais da sua primeira aventura “No país dos Sovietes”, embora os seus eventuais escritos sobre a estadia em África tenham sido avidamente disputados. Do outro lado do oceano, dois dos mais famosos, o repórter Clark Kent e o fotógrafo Peter Parker, usam-na apenas como fachada para esconder a sua identidade de super-herói, respectivamente, Super-Homem e Homem-Aranha. O que não impede que parte da acção das suas histórias decorra na redacção dos respectivos jornais – Daily Planet e Daily Bugle - e que, no primeiro caso, Jimmy Olsen e Lois Lane, vivam mesmo aventuras a solo. Esta última, receberia mesmo um prémio Pulitzer no filme Superman Returns (2006). Tal como aconteceu em 1992, na vida real, com “Maus”, de Art Spigelman, uma obra biográfica sobre a vida do seu pai no campo de concentração de Auschewitz. Mas esta temática – a BD reportagem, ficará para outra vez, pois levar-nos-ia para longe do tema actual.
A constatação atrás expressa só vem reforçar que a escolha da profissão de jornalista pelos autores serve, antes de tudo, como fácil mas credível justificação às constantes deslocações dos protagonistas para os locais onde tudo acontece e também para acederem à informação com maior facilidade. É o que se passa com outra personagem de topo da escola franco-belga, o jornalista-detective Ric Hochet, criado em 1955 por Duchateu e Tibet, que entre perse-guições emotivas, a descoberta de intrincados mistérios e o espatifar do seu chamativo Porsche amarelo tem ainda tempo para escrever no jornal La Rafale. Igualmente membro de uma redacção, Fantásio, alterna o seu quotidiano entre as grandes reportagens e a vida na redacção da revista que tem o nome do seu companheiro Spirou, onde sofre e se exaspera com as partidas e disparates de Gaston Lagaffe, a incontornável criação de Franquin.
Entre aqueles cuja relação com a profissão é mais forte, conta-se Ernie Pike, correspondente de guerra da autoria de Oesterheld e Hugo Pratt, em 1957, que percorreu as principais frentes da II Guerra Mundial, testemunhando de forma crua e realista os seus dramas, horrores e feitos heróicos. Muito importante, embora não seja o protagonista, é o papel do jornalista Willy Richards (vulgo Poe dada à sua semelhança física com o célebre escritor), no western Bonelli Mágico Vento (mensalmente distribuído nos quiosques nacionais), pela forma como se move nos meios governamentais onde obtém informações cruciais para as narrativas e pela contextualização histórica que o seu criador, Manfredi, assim lhes imprime.
Steve Roper, Jeff Cobb, Frank Cappa, Guy Lefranc ou Jill Bioskop são alguns outros nomes de heróis jornalistas, capazes de evocar recordações nos que estão mais familiarizados com os quadradinhos, mas a geração que leu a BD Disney nos anos 70 e 80, com certeza recorda, divertida, as muitas confusões criadas pelos repórteres Donald e Peninha do jornal A Patada. Quanto á geração jovem actual, vibra com as reportagens e peripécias de Geronimo Stilton, director do Diário dos Roedores, principal quotidiano da Ilha dos Ratos, que embora nascido em romances juvenis, também já protagoniza aventuras aos quadradinhos.
E se muitos deles têm evoluído da imprensa escrita para a online – como é o caso de Peter Parker ou Ric Hochet, em histórias mais recentes – a perda de audiência dos jornais impressos poderá ser uma das explicações para o fim da carreira de Brenda Starr, quase 70 anos após o seu primeiro quadradinho, numa altura em que se destacava por ser mulher, tal como a sua criadora, num mundo em que imperavam os homens. Aliás, foram sempre mulheres que estiveram aos comandos do destino desta jornalista de investigação, elegante, inteligente e sensual, como o seu modelo, a actriz Rita Hayworth, em casos policiais com muita acção e romance.
Se a banda desenhada portuguesa nunca foi pródiga em heróis (entenda-se o termo como referindo-se a personagens recorrentes), não surpreende que seja difícil encontrar nela protagonistas ligados à comunicação social.
Um dos casos mais curiosos é o de Maria Jornalista, heroína de uma dezena de histórias de duas pranchas que os leitores da Notícias Magazine descobriram durante 1994, mas que nunca foram compiladas em livro.
Passados em diversos locais de Portugal (Viana, Porto, Aveiro, Sintra, Lisboa, …), nalguns casos com referência a personagens reais (Rosa Mota, Jorge Sampaio, Manuela Moura Guedes), cada episódio teve um autor diferente (José Abrantes, Crisóstomo Alberto, Fernando Bento, Luís Diferr, José Garcês, Catherine Labey/Jorge Magalhães, Luís Louro, Baptista Mendes, José Ruy e Ana Costa/Augusto Trigo), que lhe imprimiu o seu próprio estilo gráfico e temático, em narrativas que variaram do humor ao policial, do turístico ao onírico, da denúncia social ao fantástico.
(Versão alargada do texto publicado no Jornal de Notícias de 4 de Janeiro de 2011)