Tomi Musturi (argumento e desenho) Mmmnnnrrrg (Portugal, Outubro de 2009) 205 x 205 mm, 140p., cor, cartonado
Durante anos considerada como literatura menor ou para crianças, também pela menor presença de texto (escrito…) a banda desenhada tem neste livro (mais) um exemplo de como aquele pressuposto era profundamente errado. Porque a ausência – total - de texto está longe de o aconselhar a crianças, mesmo tendo em conta os seus chamativos desenhos… Belo objecto, disponível apenas nalgumas livrarias especializadas ou na Chili com Carne (www.chilicomcarne.com), fruto de uma (improvável) co-edição luso-sueca-belga-finlandesa (!) é falsamente apresentado como “um livro universal porque é mudo (sem palavras)”, uma vez que para o ler é necessário possuir o saber que permite descodificar a linguagem própria dos quadradinhos e porque a interpretação dessa leitura é tudo menos pacífica. Isto porque de Samuel, o protagonista, não sabemos nada. Quem é? De onde vem? Para onde vai? Quando e onde viveu? O que faz nas páginas deste livro? Tudo depende da interpretação (permitida pela bagagem sócio-cultural) de cada leitor, pois se o podemos associar à criação divina, também está patente na narrativa o princípio do big-bang, se nele há algo de sobrenatural, também o identificamos como afirmação do individualismo e do experimentalismo humanos, em diferentes épocas e contextos, em situações umas vezes lineares, outras completamente anacrónicas. Jogando com as cores, formas, movimento e expressão corporal de Samuel, para narrar, definir tempo e espaço e transmitir sentimentos e emoções, Musturi cria pranchas visualmente atraentes, graças às cores quentes e fortes, apesar de uma planificação bastante rígida, que oscila entre quatro vinhetas (iguais) por prancha e pranchas duplas, mas que obrigam a sucessivas (re)leituras. E que, uma vez voltada a última página, deixam a dúvida (a angústia…?) se o que nós lemos/interpretamos era o que o autor pretendia transmitir.
(Versão revista e aumentada do texto publicado originalmente a 6 de Fevereiro de 2010, na página de Livros do suplemento In’ da revista NS, distribuída aos sábados com o Jornal de Notícias e o Diário de Notícias)