Com passos lentos mas seguros, a colecção Tsuru continua a
trazer-nos obras-primas do manga, entre obras clássicas ou (mais ou
menos) recentes.
No regresso de Shigeru Mizuki, depois do belíssimo Nonnonba,
temos agora um líbelo acusatório contra a guerra e, mais do que
isso, contra o absurdo - dizemos nós, ocidentais, e hoje - sentido
de honra japonês.
Situado no final da II Guerra Mundial, este é um relato
auto-biográfico, embora o papel original do autor - que perdeu um
braço naqueles combates - tenha sido ‘entregue’ ao soldado
Maruyama, que narra o papel - defensivo e (falsamente) ofensivo - do
batalhão Naruse, na Ilha de Nova Bretanha (Bien, no presente
relato).
Mais do que as expectáveis cenas de guerra, mais do que os horrores
do combate ou as trágicas imagens das suas vítimas directas, Marcha
para a Morte! é um relato (quase) documental das relações
entre oficiais superiores, oficiais intermédios e os simples
soldados, num contexto tenso e dramático, agravado pelos combates e
pela falta de suprimentos. O desprezo dos oficiais pelos
subordinados, a violência gratuita daqueles para com estes, o
envergonhar e oprimir apenas porque sim, são o pão nosso quotidiano
dentro do batalhão.
Se noutros contextos, seria natural um sentimento de revolta e de
vingança, guiados pelo absurdo - reitero - sentimento de honra
japonês, os soldados limitam-se a dar a cara - tantas vezes
literalmente - e a pôr-se a jeito para que as constantes humilhações
prossigam. Nem mesmo o recorrer desesperado a ataques suicidas - os
únicos que garantem uma morte honrosa… - os leva - com raras e
ligeiras excepções - a pôr em causa o estado das coisas, as ordens
recebidas, as diferenças gritantes de tratamento.
Com estes parâmetros, a narrativa
de Mizuki soa como um desabafo demasiado tempo reprimido, com as
situações descritas a sucederem-se umas às outras quase sem tempo
para respirar, quase como se o autor receasse não conseguir pôr cá
fora tudo o que o atormentava.
Por isso, também não surpreende que, graficamente, haja alguma
simplicidade, com as personagens traçadas com linhas leves e
caricaturais, a destoar com o realismo quase fotográfico dos poucos
cenários mostrados e das raras representações do inimigo. Quase
como se este toque de realismo servisse apenas para contrastar com a
ligeireza - não queria escrever ‘piada’ - do comportamento dos
‘bravos’ oficiais e soldados nipónicos.
Marcha para a Morte!
Colecção tsuru
Shigeru Mizuki
Devir
Portugal, Outubro de 2018
120 x 240 mm, 368 p., pb, capa mole com badanas
24,99 €
(imagens
disponibilizadas pela editora; clicar nelas para as apreciar em toda
a sua extensão)
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