Do tempo dos lusitanos até à actualidade, o fado, canção nacional por excelência, agora tornado património da humanidade, tem sido abordado de várias formas pelos quadradinhos nacionais.
Cronologicamente, se assim se pode escrever, a referência mais antiga ao fado surge nas aventuras de Tónius, herói lusitano empenhado em expulsar os mouros da Península Ibérica. Criação de Tito e André, o émulo nacional de Astérix, em “Uma Aventura nas Astúrias” (Pública), datada de 1981, numa passagem por Aeminium (Coimbra), brinda companheiros e leitores com uma anacrónica mas animada noite de fados!
Uma década mais tarde, a Câmara Municipal de Lisboa lançava “Noites de Vidro”, um roteiro sobre a noite lisboeta, em que dúzia e meia de autores nacionais retratavam, em ilustração ou banda desenhada, alguns dos mais conhecidos bares, discotecas e casas de fado da capital, neste último caso a Severa, desenhada por Alice Geirinhas.
Em 1994, a adaptação em BD, por Jorge Magalhães e Rui Lacas, do musical de Filipe la Féria “Maldita Cocaína” (Página a Página), encerra o seu último e trágico capítulo ao som do fado, na voz de um dos meliantes que a protagoniza.
E se o fado é o tema de uma das bandas desenhadas curtas inseridas na compilação “A minha vida é um esgoto” (Baleia Azul, 1999), de Ana Cortesão, bem pode dizer-se que alguns dos relatos nele inseridos são verdadeiros fados “aos quadradinhos”, pelo retrato cru de uma certa marginalidade da capital e pelo tom triste, trágico, melancólico e desiludido dessas histórias.
Mas se o que até agora foi citado não passa de apontamentos de maior ou menor dimensão inseridos em obras de maior fôlego, dois álbuns destacam-se por neles o fado surgir como verdadeira banda sonora ou mesmo protagonista maior.
“Fado – Estórias da Noite” (ASA, 2003), uma incursão nos quadradinhos do cartoonista Rui Pimentel, desenvolve uma história de tom policial nos meandros da noite fadista. Nele, na sequência do desaparecimento de Amália (com origem criminosa no livro), começam a surgir assassinadas todas as grandes senhoras do fado, tendo o protagonista, um inspector da PJ, que assumir o papel de fadista para descobrir quem quer ocupar o lugar deixado vago pela rainha do fado. De traço caricatural e muito expressivo, o álbum de cores vivas e fortes, traça um retrato mordaz, mas em muitos aspectos credível, da noite lisboeta.
Já o “O fado Ilustrado” (Plátano), datado de Fevereiro deste ano, orquestra conspirações políticas, atentados bombistas, o fado popular, paixões e vinganças, para traçar uma cronologia das razões que levaram ao derrube da monarquia e à implantação da República, no início do século passado. A trama da autoria de Jorge Miguel, é protagonizada por Adelaide da Facada e Amâncio da Navalha, presentes no quadro “O fado”, que José Malhoa pinta durante a narrativa, na qual o rei D. Carlos, Eça de Queirós e Ramalho Ortigão também desempenham um papel.
Falar de fado sem falar de Amália não parece possível e os quadradinhos também não esqueceram essa diva da canção.
Não em Portugal, curiosamente, mas em França, onde, em 2008, as Éditions Nocturnes incluíram na sua colecção de BD World uma biografia de Amália, acompanhada de dois CD, gravados entre 1945 e 1955, em Lisboa, no Rio de Janeiro e em Londres.
Aude Samana, aluna da escola de BD de Angoulême, assina essa obra de tom intimista, próxima da pintura expressionista, que foi editada entre nós nesse mesmo ano com o título BDFado.
Há dois anos, no âmbito do projecto “Amália Nossa”, que revisita os primeiros 15 anos de gravações de Amália em 12 CD/livros ilustrados por artistas nacionais, foi anunciada também uma biografia ficcionada em BD da autoria de Nuno Saraiva, que deveria ter três volumes, mas que até hoje continua por editar.
(Texto publicado no Jornal de Notícias de 30 de Novembro de 2011)