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26/01/2015

Akissi: Histoires Pimentées












Esta é uma viagem ao mundo da infância, ao imaginário infantil, às brincadeiras, partidas, disparates e maldades de que só os mais pequenos são capazes.
Nota distintiva: tem lugar na Costa do Marfim, em meados da década de 1970.

14/07/2010

Akissi – Attaque de Chats

Marguerite Abouet (argumento)
Mathieu Sapin (desenho)
Clémence (cor)
Gallimard (França, Junho de 2010)
200 x 260 mm, 48 p., cor, cartonado


Resumo
Akissi é uma pequena costa-marfinense com 6, 7 anos, muita vida e especialmente dotada para criar confusões.

Desenvolvimento
Fosse a realidade de Akissi outra (a portuguesa) e rapidamente seria rotulada de hiperactiva (no bom sentido do termo, não como acontece (cada vez mais) neste (cada vez mais triste) país, em que falta de educação e respeito se confundem com hiperactividade).
Mas como Akissi nasceu e vive numa qualquer vilazinha da Costa do Marfim – que é muito mais do que a pátria de Drogba… - é apenas uma criança cheia de vida e traquina, para gáudio de todos nós, os seus leitores, pois as suas aventuras transportam-nos para um mundo da infância cada vez menos presente no mundo ocidental, que fabrica crianças obesas e limitadas, presas a ecrãs.
Mas já chega de amargura, até porque Akissi nos traz uma lufada de ar fresco e boa disposição.
Composto por histórias curtas, este álbum aflora situações associadas ao quotidiano infantil e ao seu imaginário, abrindo logo por uma recriação da história do Capuchinho Vermelho, em que Akissi tem que ir levar um cesto com peixe a uma vizinha, perdendo-se pelo caminho e enfrentando um… gato faminto (!), que apresenta divertidas variações e um final bem diferente e inesperado.
Mas há também uma discussão entre irmãos sobre se as meninas podem ou não jogar futebol, que termina com um final politicamente incorrecto, em que um corcunda é tomado por alguém que engole bolas (!), uma dissertação sobre a possibilidade dos macacos substituírem irmãos menores ou uma história (não aconselhável a pessoas de estômago sensível) sobre lombrigas.
As histórias, com uma estrutura que as torna ideais para serem publicadas numa publicação regular – as saudosas revistas de BD… - prosseguem neste tom ligeiro, divertido, refrescante, para o que também contribui o traço agradável e expressivo de Sapin, bem servido por cores lisas e alegres.

A reter
- O retrato traçado de uma realidade (africana) completamente diferente (ou às vezes nem tanto…) daquela a que estamos habituados.
- O humor de algumas situações.
- A ternura com que é retratado o mundo da infância.

Menos conseguido
- A sensação que fica, no final de cada história, que algo mais ficou por contar, que aquela situação poderia ter sido mais explorada.

Curiosidade
- Akissi é a irmã mais nova de Aya de Uopougon (http://www.bd.gallimard.fr/ouvrage-A57311-aya_de_yopougon.html), uma outra protagonista de bandas desenhadas escritas por Marguerite Abouet e desenhadas por Clément Oubrerie.

04/05/2010

Cadavre Exquis

Pénélope Bagieu (argumento e desenho)
Gallimard
França, Abril de 2010
175 x 245 mm, 128 p., cor, cartonado

Resumo 
Zoé leva uma vida vazia e sem objectivos, entre o seu trabalho como hospedeira de acolhimento em eventos e salões, de produtos tão diversos como queijos ou automóveis, e as noites passadas com o seu companheiro, mais interessado em comida na mesa e sexo do que em partilhar a vida. Thomas Rocher é um (ex-)escritor de sucesso, em falha de inspiração, que vive como um autêntico recluso no seu apartamento de onde nunca sai. O acaso vai fazer com que os dois se cruzem e com que as suas vidas se modifiquem totalmente.

17/03/2010

Hair Shirt

Patrick McEown (argumento e desenho)
Liz Artinian (cores)
Gallimard (França, Janeiro de 2010)
170 x 240 mm, 128 p., cor, cartonado

Resumo
John e Nasomi são dois amigos de infância que a vida separou e que o acaso decide juntar, anos mais tarde, naquela fase de indefinições entre o fim da adolescência e a entrada na idade adulta. Esse reencontro faz despertar de novo o amor entre eles – ou pelo menos a estranha forma que eles têm de o mostrar. Porque, juntamente com os sentimentos, também o passado regressa, com todos os seus traumas, recordações reprimidas e medos latentes.

Desenvolvimento
“Hair shirt” – literalmente “vestido de cabelos” – é a designação de uma espécie de vestido usado por penitência. E é de penitência, de (des)encontros, de errâncias sentimentais e de sexualidade mal assumida que nos fala este romance denso e complexo, no qual, muitas vezes, o relato se confunde com os sonhos – os pesadelos – do protagonista, hesitante entre viver o presente ou deixar que os seus sentimentos de culpa, os seus medos e as suas angústias assumam o controle e o impeçam de o desfrutar.
O tempo é o presente, o local da acção uns quaisquer subúrbios (no caso canadianos…), os protagonistas jovens adultos, cujas vidas não têm rumo definido nem objectivos para lá dos imediatos.
Por isso, John, estudante de Belas Artes, com um part-time num cinema, desde que a namorada o deixou, há mais de três anos, prefere lamentar a sua vida, as oportunidades que perdeu (ou não soube/quis aproveitar), em lugar de lutar pelo momento – por cada momento – pela relação que agora vive.
O reencontro casual com Naomi, parece poder ser o factor de mudança, mas a verdade é que muita água passou sob as pontes desde que ela e a sua família mudaram de cidade na sequência da morte acidental do seu irmão Chris, implicativo, e cruel. Por isso, a par da alegria do reencontro e da possibilidade de viverem o seu amor, surgem as sombras, as memórias, os falhanços e os momentos penosos de então, que pesam mais do que a possibilidade de ser (finalmente) feliz. Não só da parte dele, mas também da parte de Naomi, perdida numa busca errante e auto-destrutiva, incapaz de se assumir e de assumir os seus sentimentos, tentando encontrar na provocação e na transgressão de limites o que ela própria não consegue dar.
Algures entre o romance psicológico e a crónica quotidiana do fim da adolescência, com um toque de fantástico, melhor de pesadelo, o relato de McEown surpreende pela densidade, pelo ambiente saturado e opressivo que consegue criar e do qual, a par dos protagonistas, não nos conseguimos libertar, mesmo nos primeiros momentos após fechar o livro. Talvez porque o autor opta por não dar todas as respostas nem aprofundar todas as explicações sobre as causas dos traumatismos de infância de John e Naomi, deixando ao leitor a possibilidade de os interpretar. Porque a história, assente em diálogos especialmente bem conseguidos e credíveis, que deixam subentendido sempre mais do que aquilo que afirmam, prende e arrasta-nos – embora recorrentemente nos obriga a voltar atrás, para (re)interpretar esta ou aquela passagem à luz dos novos acontecimentos – num turbilhão vertiginoso de sentimentos contraditórios.
E se McEown não é, longe disso, um virtuoso do desenho, é, no entanto, um excelente narrador aos quadradinhos, com o seu traço falsamente inseguro, vivo, dinâmico, expressivo e preciso na definição de momentos e estados de espírito, bem servido por cores frias que acentuam a sensação de impotência e queda que perpassa todo o livro.

A reter
- A bela surpresa que a leitura deste livro constituiu, dando bem mais do que aquilo que parecia oferecer à primeira vista.

Curiosidade
- Patrick McEown, natural de Otava, no Canadá, onde nasceu em 1968, trabalhou na Dark Horse com Matt Wagner (Grendel: War Child) e Mike Mignola (Zombie World), na DC Comics (Batman – Beyond) e na Marvel (X-Men: Evolution).

15/01/2010

L’Ancien temps – I. Le roi n’embrasse pas
















Joann Sfar (argumento e desenho)
Gallimard Jeunesse (França, Novembro de 2009)
230 x 310 mm, 144 p., cor, cartonado

04/12/2009

BD e Literatura - L’Hôte

Jacques Ferrandez (argumento e desenho)
Galimard (França, Novembro de 2009)
235 x 315 mm, 62 p., cor, cartonado


Resumo

Este álbum baseia-se num conto de Albert Camus, retirado de “L’Exil et le Royaume”.
É a história de um preso acusado de ter morto um familiar, que é entregue a um professor para este o levar até à prisão. Por pano de fundo tem a (sombra da) guerra (de libertação) da Argélia.

Desenvolvimento
Aliás, pode bem dizer-se que a Argélia protagoniza esta (estranha) história, de tal forma ela é omnipresente, quer nos grandiosos cenários com que Ferrandez enche as páginas em que a acção se desenrola, quer como contexto sociopolítico de fundo, quer como matriz cultural das (poucas) personagens envolvidas. E, principalmente, na forma como a narrativa, pausada, quase muda, respira (e transpira) o país.
Algo quase inevitável em Camus – argelino de naturalidade e de vocação – como salienta Boualem Sansal na introdução em que defende a necessidade de releitura das obras do autor longe dessa sombra, para as valorizar mais.
O local central de “L’Hôte”, é uma pequena escola, perdida numa inóspita região montanhosa, onde um professor – branco, mas argelino – lecciona – e ajuda, e alimenta, e compartilha o que tem com – os poucos alunos que se recusa a abandonar, mesmo sob a ameaça do confronto civil.
A sua paz, é quebrada pela chegada de um polícia, com quem tem um laço familiar e afectivo forte, que o vem requisitar para ir entregar o preso – um indígena, se assim se me permite escrever - que o acompanha numa prisão a um dia de distância – a pé – porque a situação de tensão social o impede de o fazer pessoalmente. Apesar da recusa passiva do professor, o preso é-lhe entregue.
O resto da trama – o final desse dia, a noite e algumas poucas horas do dia seguinte – decorre numa situação de tensão latente entre duas formas de viver e pensar diferentes, embora com mais pontos de contacto do que inicialmente se suporia. Tentando tratar o preso com humanidade - como igual, algo impensável então – deixando-o livre e a dormir no mesmo quarto, o professor não deixa de temer pela sua vida. O preso, receoso do que o espera, não compreendendo a atitude de quem agora o escolta, também surge algo perdido numa situação que não buscou.
Após o pequeno-almoço, partem para o destino – a prisão anunciada. Aparentemente, porque o propósito do professor é diferente, como o demonstra ao chegarem a um local onde deixa ao detido escolher o destino: a cidade onde está a prisão ou a liberdade junto das tribos nómadas
Não vou revelar a escolha, nem as consequências (eventuais) dela para o professor – e são estas que marcam sem dúvida o tom do relato, que é antes de mais uma ode à liberdade, ao direito ao livre arbítrio e ao desejo de conviver com a diferença. Apesar do tom pessimista desse mesmo final, sem dúvida uma das marcas fortes da escrita de Camus.
Jacques Ferrandez, também argelino, com uma planificação em que utiliza muitas vezes pranchas (ou pelo menos grandes vinhetas) duplas, traçadas com belas aguarelas, em que enquadra (outr)as vinhetas em que decorre a acção, consegue dar o protagonismo ao país, à agreste paisagem, quase lunar, conseguindo belos efeitos e retardar a leitura, pausando-a e reforçando sensações de silêncio, solidão, impotência…
As excepções são os dois diálogos – do polícia com o professor e deste com o detido – aparentemente simples e directos, mas com inúmeras implicações de vária ordem, que obrigam a uma e outra releitura para interiorizar completamente o peso das palavras e, mais ainda, dos incómodos silêncios que as permeiam.

A reter
- A forma como a Argélia – a sua paisagem, o seu espírito(?) – se impõe na planificação e está interiorizada na narrativa de Ferrandez.
- O final, forte, inesperado, imprevisível, que reforça a sensação de solidão e impotência que são permanentes ao longo do conto.

Menos conseguido
- A forma menos feliz como estão desenhados os protagonistas, algo rígidos e pouco expressivos.
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