Negro como o homem dos pesadelos
Mattéo tem sete ou 8 anos e vive com os pais. Vai diariamente à escola onde é atormentado pelos valentões que lhe infernizam a vida, ansioso por voltar a casa e brincar com o seu cão, Tommy que (o) adora, e com os super-heróis que preenchem o seu imaginário e conseguem sempre derrotar o mal.
Apesar da tenra idade - ou talvez por causa dela... - Mattéo tem pesadelos recorrentes e urina com frequência na cama. Para tentar fugir deles, refugia-se cada vez em si mesmo e no seu mundo, isolando-se e afastando os que se tentam de alguma forma ajudá-lo, sonhando com o dia em que o Super-Falcão ou o Super-Ninja apareçam para o defender e vencer o mal que o atormenta...
É esta a premissa de O homem de negro, com argumento de Giovanni Di Gregorio e desenho de Grégory Panaccione, uma edição recente da ASA que, do último, já tinha editado Um oceano de amor e Alguém com quem falar, duas obras unidas pela imensa sensibilidade que delas transborda.
Tal como de "O homem de negro", em que a sensibilidade se mantém, ou até aumenta pois houve um imenso cuidado na abordagem de um tema infelizmente actual, sério e chocante e, lamentavelmente, bem próximos de nós, numa sociedade em que todo o progresso e tecnologia parece servir apenas - ou quase... - para o ser humano extravasar o pior de si mesmo e as suas obsessões doentias.
A abordagem levada a cabo por Panaccione e Di Gregorio é extremamente pudica, contida e cautelosa e assenta no contraste evidente entre o desenho extremamente agradável e atrativo, servido por cores vivas, que corresponde ao dia a dia de Mattéo, em especial nos raros momentos de felicidade que encontra nas suas brincadeiras, e o tratamento dado às consequências da violência da situação subentendida, que lhe aterroriza as noites, com a sombra insidiosa do tal homem que ressurge de cada vez que o sol se põe, traçada com cinzentos carregados e negros sombrios, que ocupa e oprime as suas noites e que vai aumentando de dimensão ao longo do relato.
Sem nunca caírem no facilitismo, os autores conseguem criar uma narrativa forte e assertiva, que prende o leitor subjugado pelo peso que adivinha que Mattéo carrega e pelo seu isolamento crescente, reforçado por um final inesperado mas extremamente conseguido, que inevitavelmente nos deixa incomodados e a reflectir.
O
homem de negro
Giovanni
Di Gregorio (argumento)
Grégory
Panaccione (desenho)
ASA
Portugal,
Setembro de 2025
208
x 275 mm, 112 p., cor, capa mole com badanas
22,90
€
(versão revista e aumentada do texto publicado no Jornal de Notícias de 20 de Setembro de 2025; imagens disponibilizadas pela ASA; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão; clicar nos textos a cor diferente para saber mais sobre os temas destacados)
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