22/09/2025

O caderno azul/Depois da chuva

Por detrás de uma janela sem cortinas



O nome de André Juillard será conhecido de muitos, como desenhador de vários dos álbuns de Blake e Mortimer das últimas duas décadas. Para esses, será uma surpresa descobri-lo como autor completo de O caderno azul, que lhe valeu um troféu em Angoulême para o Melhor Álbum, em 1995.

Aquando da sua publicação, foi também uma surpresa, uma vez que até aí Juillard sempre cultivara de forma sólida o desenho do género histórico e aqui assumia arte e argumento, para contar uma história contemporânea, sensível e intimista, sobre relações cruzadas provocadas pelo destino - e a vontade de alguns seres humanos.

O ponto de partida do livro é uma avaria do metro que o deixa parado em frente a uma janela sem cortinas. Por detrás dela está Louise, nua, pois acabou de tomar banho. A sua visão, como que hipnotiza Armand, preso na carruagem metropolitana, apaixonado à primeira vista e apostado em conhecer melhor a jovem que o deslumbrou. Começa aí um jogo misto, de sedução e do gato e do rato, embora não se saiba muito bem quem é o 'roedor' e quem é o 'felino'. A relação, no entanto, vai ganhar contornos inesperados e outros componentes: Victor, amigo de Armand, passageiro do mesmo metro, e Elena, natural da ex-Jugoslávia, a quem o acaso colocou entre os dois homens.

Com eles, Juillard, com o traço que lhe (re)conhecemos, realista q.b., capaz de recriar mulheres bonitas e misteriosas e assente num soberbo jogo de sombras servido por tons cromáticos sóbrios e delicados, revela uma mestria surpreendente ao nível da construção da história, na qual expõe sentimentos e sensações, desnuda - figurada mas também literalmente, embora de forma púdica - as suas personagens e torna-as humanas, capazes - ou não - de amarem e de se deixarem amar, de aceitarem os outros como são ou tentando destruir o que não conseguem ter.

Integrado na colecção Angoulême, da Devir, composta por livros premiados naquele festival de BD francês, este volume inclui também Depois da chuva, uma espécie de sequela de O caderno azul e uma outra história de relações interrompidas, que dá um novo sentido àquele e contrabalança o tom intimista com uma intriga vagamente policial, que confirmava então Juillard como autor completo a seguir.

Mas que - compreensível mas lamentavelmente, se perdeu devido ao mediatismo e às regalias financeiras que Blake e Mortimer lhe garantiram.


O caderno azul/Depois da chuva
Colecção Angoulême
André Juillard
Devir
Portugal, Agosto de 2025
174 x 245 mm, 142 p., cor, capa dura
22,00 €

(versão revista e aumentada do texto publicado na página online do Jornal de Notícias de 3 de Setembro de 2025 e na versão em papel do mesmo dia; imagens disponibilizadas pela Devir; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão; clicar nos textos a cor diferente para saber mais sobre os temas destacados)

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