Por detrás de uma janela sem cortinas
O nome de André Juillard será conhecido de muitos, como desenhador de vários dos álbuns de Blake e Mortimer das últimas duas décadas. Para esses, será uma surpresa descobri-lo como autor completo de O caderno azul, que lhe valeu um troféu em Angoulême para o Melhor Álbum, em 1995.
Aquando da sua publicação, foi também uma surpresa, uma vez que até aí Juillard sempre cultivara de forma sólida o desenho do género histórico e aqui assumia arte e argumento, para contar uma história contemporânea, sensível e intimista, sobre relações cruzadas provocadas pelo destino - e a vontade de alguns seres humanos.
O ponto de partida do livro é uma avaria do metro que o deixa parado em frente a uma janela sem cortinas. Por detrás dela está Louise, nua, pois acabou de tomar banho. A sua visão, como que hipnotiza Armand, preso na carruagem metropolitana, apaixonado à primeira vista e apostado em conhecer melhor a jovem que o deslumbrou. Começa aí um jogo misto, de sedução e do gato e do rato, embora não se saiba muito bem quem é o 'roedor' e quem é o 'felino'. A relação, no entanto, vai ganhar contornos inesperados e outros componentes: Victor, amigo de Armand, passageiro do mesmo metro, e Elena, natural da ex-Jugoslávia, a quem o acaso colocou entre os dois homens.
Com eles, Juillard, com o traço que lhe (re)conhecemos, realista q.b., capaz de recriar mulheres bonitas e misteriosas e assente num soberbo jogo de sombras servido por tons cromáticos sóbrios e delicados, revela uma mestria surpreendente ao nível da construção da história, na qual expõe sentimentos e sensações, desnuda - figurada mas também literalmente, embora de forma púdica - as suas personagens e torna-as humanas, capazes - ou não - de amarem e de se deixarem amar, de aceitarem os outros como são ou tentando destruir o que não conseguem ter.
Integrado na colecção Angoulême, da Devir, composta por livros premiados naquele festival de BD francês, este volume inclui também Depois da chuva, uma espécie de sequela de O caderno azul e uma outra história de relações interrompidas, que dá um novo sentido àquele e contrabalança o tom intimista com uma intriga vagamente policial, que confirmava então Juillard como autor completo a seguir.
Mas que - compreensível mas lamentavelmente, se perdeu devido ao mediatismo e às regalias financeiras que Blake e Mortimer lhe garantiram.
O
caderno azul/Depois da chuva
Colecção
Angoulême
André
Juillard
Devir
Portugal,
Agosto de 2025
174
x 245 mm, 142 p., cor, capa dura
22,00
€
(versão revista e aumentada do texto publicado na página online do Jornal de Notícias de 3 de Setembro de 2025 e na versão em papel do mesmo dia; imagens disponibilizadas pela Devir; clicar nelas para as aproveitar em toda a sua extensão; clicar nos textos a cor diferente para saber mais sobre os temas destacados)



Parece-me evidente que faço parte do público-alvo desta colecção. Comprei os dois primeiros volumes para experimentar e, de imediato, ficaram encostados à estante: o tamanho não está certo, o papel também não… A área de impressão das pranchas da Trilogia Nikopol de Bilal reduz-se a 15x19 cm. R I D Í C U L O ! Não consigo perceber esta opção editorial. Se a intenção foi seguir o modelo de uma colecção francesa, importa lembrar que lá esse formato é apenas uma alternativa. O leitor francês pode escolher: edições reduzidas ou o formato original, maior. Em Portugal, não existe essa possibilidade. Eu, pelo menos, não volto a comprar. E deixo aqui este registo apenas para que, caso algum responsável da Devir tenha pensado “ah, os leitores portugueses aceitam na mesma”, fique claro: não. Eu, potencial comprador, desisti (quase) à partida!
ResponderEliminarAndo a dizer o mesmo desde que foi anunciada série. A Devir “martela” tudo ao formatinho mangá (que é o que eles editam agora…). Veja-se o que se passou com os “álbuns” do Alfred.. Sinceramente, espero que não repitam esta experiência.
EliminarConcordo com ambos, conforme aliás já escrevi aqui (https://outrasleiturasdopedro.blogspot.com/2025/04/a-trilogia-nikopol.html). Foi comprada a colecção da Casterman, com os problemas e benefícios conhecidos. Se foi uma opção comercialmente positiva, isso só a editora saberá. O leitor ganhou no preço, perdeu no formato - mais nuns casos do que outros.
EliminarSão opções - da editora e de cada leitor.
Boas leituras!
Boas leituras
claro! cada um edita o que quer... e como quer! boas leituras! - esgar
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