Miguel Peres (argumento)
Jhion (desenho)
ASA (Portugal, Outubro de 2012)
195x265 mm, 48 p., cor, cartonado
13,90 €
Resumo
Angola, 1961. Durante um ataque a uma fazenda de
portugueses, o casal que lá habita é assassinado e a sua filha adolescente
levada por um dos assaltantes.
Angola, 1963. Um comando de soldados portugueses é enviado
supostamente para encontrar a rapariga desaparecida dois anos antes.
As mudanças por ela sofridas, o questionar da missão –
eventualmente do interesse de uma alta autoridade nacional - e da própria guerra
pelos soldados são outros dos motes que orientam a narrativa.
Desenvolvimento
Este álbum é uma das surpresas deste fim de ano em Portugal,
apesar das limitações que se lhe reconhecem. Fundamentalmente pela (nova) dupla
autoral e pela sua temática.
Vamos por partes.
Os autores são os portugueses Miguel Peres e Jhion (ou seja “o
artista anteriormente conhecido por João Amaral!).
O traço deste último surpreende por surgir diferente do seu
registo mais habitual. Mais natural, possivelmente porque mais liberto da base
fotográfica e/ou informática que geralmente utiliza, mas também com alguma
falta de expressividade e preso de movimentos. Nota-se, no entanto, uma
melhoria ao longo do álbum, fruto certamente da experiência que este lhe foi
possibilitando.
A composição das páginas, diversificada, serve-lhe para
ritmar a narrativa, embora nalguns casos a utilização de um traço demasiado
espesso para delimitar as vinhetas, torne as páginas algo pesadas. Ainda no que
diz respeito à planificação, destaque para alguns efeitos interessantes,
originais e conseguidos, nomeadamente os “rasgões” que permitem visualizar em
simultâneo o interior e o exterior da fazenda (na p. 4) ou a utilização recorrente
das onomatopeias como limite das vinhetas (como na p.5).
A surpresa maior acaba por ser o argumento do estreante
Miguel Peres, apesar de algumas pontas soltas, uma ou outra oscilação de ritmo
e, principalmente a falta de explicação para a(s) mudança(s) de atitude da
cativa. A sensação que fica é que faltaram páginas para a justificar, bem como
para aprofundar a sua relação com o seu captor e para explorar o tempo (e as
respectivas consequências) que os soldados passaram no mato.
Destaca-se, mesmo assim, a coragem para abordar uma temática
– a guerra colonial - que a diversos níveis ainda continua a ser tabu entre
nós. O que se lamenta pois é extremamente rica a diversos níveis, permitindo
abordagens em registos de acção, intimistas, ideológicos, históricos…
A Miguel Peres serviu para questionar as razões por detrás
das guerras e os efeitos que elas provocam naqueles que mais directamente estão
a ela associados – sejam os soldados que combatem ou as “vítimas colaterais”
hoje tanto na moda.
Dessa forma, Cinzas da Revolta, inegavelmente, indica e
trilha um caminho que a BD nacional pode percorrer com originalidade, para exorcizar
fantasmas e para chegar a leitores habitualmente avessos aos quadradinhos.