09/09/2012

Entrevista com Alfredo Castelli

“Hoje, não tentaria criar Martin Mystère”
 
 
 
 
 
 
 
 
Em mais uma colaboração com o Tex Willer Blog, As Leituras do Pedro participaram numa entrevista a Alfredo Castelli, a propósito dos 30 anos de Martin Mystère, na qual ele aborda diversos aspectos relacionados com a sua principal criação.
A longa conversa que poderão ler já a seguir, com perguntas minhas, de José Carlos Francisco e Giampiero Bellardinelli, traduzida para italiano por Gianni Petino e para português por Júlio Schneider - e para todos fica aqui o meu agradecimento por a terem tornado possível - é apenas um segmento de uma entrevista bem mais extensa, que poderá ser lida integralmente aqui.
 
 
As Leituras do Pedro - A personagem de Allan Quatermain antecipou, no conteúdo, Martin Mystère. Fale um pouco disso.
Alfredo Castelli - Allan Quatermain foi a primeira encarnação de Martin Mystère e surgiu em 1975. Nesse ano eu apresentei o projeto da série a Il Giornalino, uma revista para a qual no início dos anos 70 eu tinha escrito duas séries (Gli Astrostoppisti algo como Os Boleeiros do Espaço e Mister Charade) e histórias livres. Não foi aceite.
Na época uma recusa não era um drama: como eu disse, o mercado funcionava muito bem, e tinha várias revistas que publicavam séries em episódios; se uma coisa não era aceite, era só apresentar outra, sem muitos problemas. A ideia descartada poderia ser tirada da gaveta na hora certa, como aconteceu com Allan Quatermain, que saiu em 1979 em SuperGulp. Depois do fecho da revista semanal, eu apresentei-o à Bonelli na fórmula actual, em 1980. Seguiram-se dois anos de preparação de um pacote de histórias e assim chegámos a 1982.
 
ALP – Vamos então deter-nos no Detetive do Impossível. A personagem que chegou aos quiosques em Abril de 1982, era muito diferente da sua ideia inicial?
AC - Não era muito diferente, excepto pelos nomes, pelo tamanho das histórias e pelo facto de que Quatermain morava em Londres e não em Nova Iorque.
 ALP - Qual foi a reação de Sergio Bonelli depois da publicação das primeiras aventuras?
AC - Ele esperava uma série mais agitada. Ficou muito perplexo ao ver uma personagem de BD que usava um computador um aparelho que estava há pouco no mercado mas que já na época Bonelli detestava, como tudo que era electrónico. Ele disse toda a vida a brincar, mas não de todo que eu o tinha enganado ao desenvolver uma série diferente da que tinha sido proposta.
Com relação ao computador, parece que Martin Mystère foi a primeira personagem de BD a possuir um personal computer. Não sei se é verdade, mas eu não encontrei exemplos precedentes. Eu tinha um daqueles que na época eram chamados home computer, aparelhos não muito caros que eram ligados ao ecrã da TV. Era um Atari 800, programado em basic e com os ficheiros gravados num gravador de cassetes. Fazer isso demorava vários minutos e não havia garantia de que a gravação seria suficientemente boa para permitir abrir novamente os arquivos. O Personal Computer era praticamente exclusividade da IBM e era muito caro (fazendo as devidas comparações, eu diria algo em torno de 25 000 euros atuais para um aparelho com 128K de RAM!). Como eu não podia comprar, fiz com que a minha personagem tivesse um.
 
ALP - Um dos temas dominantes da série pelo menos nos primeiros dez anos foi o dos continentes perdidos. O que o fascinava neste assunto?
AC - Eu não diria genericamente continentes perdidos, eu diria mais especificamente continentes perdidos de Atlântida e Mu.
Na saga de Martin Mystère eram duas civilizações mais ou menos como a nossa e que, por puro desejo de expansão e de poder, se tinham defrontado numa guerra que, há cerca de 10.000 anos, tinha culminado com a destruição total de ambas e tinha arrastado na catástrofe o resto do mundo, fazendo os sobreviventes regredir a um nível de semibarbárie. Um acontecimento que uma antiga seita, a dos Homens de Preto, desde sempre busca manter em segredo, destruindo tudo o que poderia provar que aconteceu: sim, porque se hoje nós nos déssemos conta do que ocorreu no passado remoto, provavelmente tentaríamos não cometer os mesmos erros de quem nos antecedeu, e isso abalaria mecanismos de poder consolidados.
Durante um certo período essa tese que, em minha opinião, possui um fascínio ameaçador constituiu a base sobre a qual assentaram cerca de 30% das aventuras de Martin Mystère. Depois a temática começou a tornar-se repetitiva e deixei-a um pouco de lado.
Nos seus trinta anos de vida Martin Mystère ocupou-se de mysteri (mystérios) de todo tipo. A propósito, mistérios em italiano diz-se misteri e mysteri (com y) é um neologismo que eu criei e que se difundiu também fora do âmbito Bonelli, usado para diferenciá-los daqueles de caráter policial ou político (infelizmente muitos, na Itália). Então, mystério é tudo o que é incomum e curioso, que estimula a curiosidade e o desejo de saber mais; não só Atlântida, o Graal ou os OVNIS, mas a História, as artes, a literatura, as ciências exactas (O mystério do último teorema de Fermat).
 
ALP - Qual é a principal diferença entre escrever histórias de Martin Mystère ou de Diabolik?
AC - Escrever histórias de Martin Mystère ou de Diabolik (ou Tex) apresenta dificuldades de carácter oposto.
Ninguém se escandaliza se Diabolik rouba pela enésima vez um diamante exposto no museu ou se Tex caça pela enésima vez uma quadrilha de assaltantes de diligências. A dificuldade para essas duas personagens não é tanto a de encontrar novas ideias, mas a de criar infinitas variações para os mesmos temas.
Com Martin Mystère este problema, graças aos céus, não existe, visto que se pode passear sobre inumeráveis argumentos, mas em compensação, ao contrário de Tex e Diabolik, ele não pode enfrentar duas vezes a mesma situação: se Martin encontra o Graal na Basílica de San Nicola, em Bari, não pode descobri-lo de novo nos subterrâneos do Castelo de São Jorge: a ideia está queimada para sempre.
É evidente que, nos primeiros dez anos de vida, o trabalho do Detetive do Impossível era só escolher o tema, mas hoje, depois de tanto tempo e de tantos mystérios variados, tudo é muito mais difícil, embora eu acredite que as ideias não se esgotarão. Hoje que, depois do sucesso do Código Da Vinci, as histórias mysteriosas estão na moda (na Itália e na Espanha todo mês saem dezenas de romances sobre esses assuntos e, francamente, eu me pergunto como é que vendem), eu gostaria de retomar, de um modo diferente, certos temas usados nos anos 80. Qualquer dia descubro uma forma engenhosa de o fazer.
 
ALP - Quais foram, na sua visão, as mudanças que a série sofreu nesses trinta anos de vida editorial?
AC - Nenhuma mudança traumática como, por exemplo, as dos super-heróis americanos.
Como eu disse, mudaram um pouco os mystérios, o BVTM (Bom Velho Tio Martin) envelheceu um pouquinho (não trinta anos, como o autor: digamos que para as personagens de BD sorte delas só se passa um ano a cada cinco dos nossos), tornou-se mais caseiro, casou-se com Diana e está decididamente mais humano e simpático que o Martin das origens.
Os seus leitores chamam-no afectuosamente de BVZM (Buon Vechio Zio Marty, ou BVTM, Bom Velho Tio Martin, em português), consideram-no um amigo e gostam de acreditar que é uma pessoa real. Sinto um orgulho realmente grande pelo relacionamento de Martin com os seus leitores.
 
ALP - A propósito de relacionamentos, o modelo herói-assistente-noiva eterna (Martin Mystère-Java-Diana) seria o mesmo se Martin Mystère tivesse sido criado actualmente?
AC - Eu diria que sim. Com as adaptações devidas, sempre funciona, desde Platão a Goldoni, e também a Cervantes e aos protagonistas de dois filmes muito mysteriosos: O Tesouro e O Tesouro 2 Livro dos Segredos, da Disney. (N.T.: no Brasil, A Lenda do Tesouro Perdido e A Lenda do Tesouro Perdido Livro dos Segredos).
 
ALP - E se criasse Martin Mystère hoje, modificá-lo-ia? E como?
AC - É uma pergunta à qual é impossível responder, as variáveis são muitas. Se Martin Mystère não existisse, mas o resto do mundo (inclusive e sobretudo o editorial) fosse exatamente o de hoje, eu não tentaria sequer criar Martin Mystère: ele não seria mais uma personagem original como era em 1982 e, principalmente, teria muita concorrência entre livros, filmes, programas de televisão.
 
ALP - A bimestralidade, em nossa opinião, fez bem à serie, mas como é que o público reagiu a essa inovação?
AC - Transformar a série mensal em bimestral foi uma decisão que alguns interpretaram erroneamente como um sinal de que as coisas não iam bem e de que se tentava salvar o salvável. Não foi isso: tratou-se de uma escolha precisa que permitiria publicar edições mais volumosas, verdadeiros livros com 160 páginas, e elaborar histórias completas sem ser preciso comprimi-las em 96 páginas. Eu contava que os leitores entenderiam e assim foi. A mudança de periodicidade aconteceu a partir do n° 279, de junho de 2005, e teve efeitos positivos imediatos nas vendas.
O próprio Sergio Bonelli, que era contrário à operação mesmo após ter permitido que eu a levasse em frente, admitiu publicamente e com muito fair play que estava errado e que ficou contente com seu erro.
 
ALP - Acreditou muitas vezes nas respostas que Martin Mystère obteve?
AC - Geralmente as tramas do Detetive do Impossível têm uma precisa base histórica, literária ou de outro tipo, mas Martin Mystère é uma personagem de fantasia que conta histórias de fantasia. Eu faço questão de destacar esse detalhe e, não por acaso, em cada edição há um artigo que explica o que há de verdadeiro e de inventado nas histórias, porque eu não pretendo fazer que os leitores acreditem em coisas não-verdadeiras.
Estabelecidas estas premissas, posso responder que acredito nas respostas obtidas por Martin em cada caso. Algumas respostas são fantásticas demais para que eu acredite nelas, outras mais ou menos plausíveis embora não comprovadas , o que me faz pensar um pouco na sua veracidade.
Mas se a pergunta é sobre como eu me coloco diante de uma matéria controversa enfrentada por Martin (como fenômenos paranormais, OVNIS, magia e coisas do género), eu digo que sou bastante céptico. E, a seu jeito, o Detetive do Impossível também o é, visto que nunca aceita nada no impulso, documenta-se e investiga do modo mais objectivo possível. É óbvio que Martin vive num mundo que, embora bastante parecido com o nosso, é de fantasia, e nele certos fenômenos podem tranquilamente acontecer.
 
ALP - Há alguma história de Martin Mystère que ainda não conseguiu contar?
AC - Existem histórias que eu gostaria de contar mas que decidi não o fazer, para seguir a filosofia da Editora com a qual, em linhas gerais, eu concordo.
O objectivo das nossas edições de série (as regras podem não valer para os one shot, volumes isolados) é um entretenimento, tanto quanto possível inteligente e, no caso de Martin Mystère, com um fundo educativo.
Os protagonistas podem aliás, devem possuir uma componente política (por exemplo, Martin Mystère é um democrata liberal, o que na Itália nós definiríamos de esquerda, e seus atos mostram isso) mas não um posicionamento de partido, o que descambaria para a propaganda.
Martin admite que não é muito religioso no sentido tradicional do termo, mas respeita todas as escolhas desse campo enquanto isso não tolhe a liberdade de terceiros. Nesse sentido do respeito deve-se enquadrar a escolha de evitar histórias sobre mystérios religiosos ou milagres. As aparições de Fátima, por exemplo, com o sol que dança e o Terceiro Segredo, poderiam ser uma ótima inspiração e ser interpretadas de modos muito interessantes, mas tais interpretações poderiam chocar a sensibilidade de quem acredita.
Nas edições Bonelli também é difícil abordar a actualidade em sentido estrito, visto que, do momento da primeira ideia para uma história até o lançamento da BD, passa-se no mínimo (mínimo mesmo) um ano. Como Martin Mystère actua num mundo real, em alguns casos clamorosos (por exemplo, o derrube das Torres Gêmeas) nós retocámos os diálogos e mudámos algumas vinhetas pouco antes de mandar o material para a impressão, mas é o máximo de actualidade que podemos nos permitir. As histórias ligadas a temas do momento provocariam, justamente, reações positivas ou negativas e, em razão dos prazos de confecção das edições, não seria possível o contraditório, uma explicação, e isso seria pouco correcto.
 
ALP - Como é o seu método de trabalho para escrever as histórias de Martin Mystère?
AC - O pior de todos, que não aconselho a ninguém.
 O método correcto para escrever uma história, seja uma BD, um romance ou um filme, é elaborar um esboço, fazer os ajustes e, quando estiver bom, fazer o argumento ou, de algum modo, elaborar a trama completa. Mas eu muitas vezes começo sem sequer saber qual será o tema central da história, eventualmente porque o desenhador ficou sem argumento e precisa de trabalhar. Depois de enviar algumas páginas boas para qualquer situação, eu vou em frente à base de dez ou quinze páginas de cada vez, quando eu mesmo descubro aos poucos do que estou a falar, e, várias vezes, acabo em situações terrivelmente complicadas.
Até hoje eu consegui fazer funcionar, mas apesar de estar acostumado é um sistema muito trabalhoso, inseguro e gerador de stress.
 
ALP - Foi fácil entregar Martin Mystère a outros autores? Como é o seu relacionamento com eles?
AC – Nem por isso. Saber que eu teria ajuda deu-me mais tranquilidade. Os autores escrevem ou desenham segundo a própria personalidade, assinam as histórias e recebem os direitos de autor assim como eu. Mas confesso que sou um pouco despótico, como as irmãs Giussani eram com Diabolik ou como Sergio era com Zagor ou Tex. Muitas vezes eu refaço os diálogos do modo que me parece mais correcto, e, em caso de discussões inclusive sobre os desenhos se não se chega a uma solução de consenso, a última palavra é minha por ser o criador e, sobretudo, o editor responsável pela série. Apesar disso, espero e acredito que sou bastante querido pelos meus colegas.
 
ALP - Qual a história de Martin Mystère feita por outro autor que gostaria de ter escrito? Qual é o desenhador com quem gostou mais de trabalhar em Martin Mystère?
AC - A essas duas perguntas, sobre os muitos outros bons autores que se alternam em Martin Mystère, eu prefiro não responder. Não sou hipócrita a ponto de fingir que não tenho preferências, como faz um amoroso pai com seus filhos: é óbvio que eu tenho os meus preferidos, mas por respeito com quem não o é, não pretendo revelar quem são. De qualquer forma (isto é verdade), todos contribuíram para que, depois de trinta anos, a série ainda esteja viva e saudável.
 
ALP - Há algum desenhador não-bonelliano que gostaria de ver a ilustrar uma história de Martin Mystère?
AC - Desenhador, eu não faço ideia. Existem vários que são muito bons, eu não saberia escolher. Mas eu gostaria que Neil Gaiman e Alan Moore escrevessem uma história. Ou todas. Escritas e desenhadas de modo completamente não-bonelliano são as aventuras da TV do jovem Martin Mystère (em Portugal, Martin Mystery, desde 2011 no canal Panda Biggs).
Antes falávamos de mudanças, e aqui, com a minha aprovação, a personagem foi radicalmente transformada para uma série de 66 desenhos animados dedicada a um público de 10/12 anos. Eu vejo que muitas vezes a versão animada de histórias aventurosas (como, por exemplo, Diabolik) que não são carne, nem peixe: não são suficientemente semelhantes ao original para contentar os leitores, e nem suficientemente diferentes para contentar outros públicos. Não é o caso de Martin Mystery, que também não é nem carne, nem peixe mas ainda é outra coisa (fruta? doce?) que pode agradar ou não. A mim, particularmente, a série não desagrada, embora eu seja, como é evidente, condicionado pelo original e, ainda mais evidente, não tenho 10 ou 15 anos. Foi como ver um filho crescer e desenvolver-se  sozinho.
 
ALP - Conhece Portugal? Já houve alguma história de Martin Mystère ambientada aqui?
AC - Eu conheço Portugal, já estive aí várias vezes (inclusive de férias, no Algarve) e gosto muito de Lisboa. Mantenho contacto com Leonardo de Sà (eu sei que o a deve ter acento agudo, mas isso não tem no teclado italiano e deve-se procurar o caracter sabe-se lá onde) (N.T.: para comodidade do entrevistado, resolvemos o problema na tradução: Leonardo de Sá :-), grande conhecedor de BD, com quem há anos troco correspondência, e tenho muitos livros e revistas dedicados à produção portuguesa, dentre os quais bastante material sobre o precursor Rafael Bordalo Pinheiro (fiquei positivamente admirado que um jornal de grande circulação como Expresso tenha lhe dedicado um volume colateral).
Há vários anos que planeio ir ao festival da Amadora mas, infelizmente, ele coincide com o de Lucca, no qual sempre tenho algum compromisso. Fico triste que Martin Mystère nunca tenha tido uma edição portuguesa (foi importado do Brasil por algum tempo); Qualquer dia faço-o viver uma aventura em Lisboa, na esperança de que seja descoberto. Leonardo sugeriu-me alguma coisa ligada à reconstrução após o terremoto de 1755, mas depois eu esqueci. Esta entrevista me fez o facto voltar à memória e eu agradeço.
 
Fotos de José Carlos Francisco
 
 

08/09/2012

Selos & Quadradinhos (85)

Stamps & Comics / Timbres & BD (85)

 
 
Tema/subject/sujet: Betty Boop
País/country/pays: Moçambique/Mozambique
Data de Emissão/Date of issue/date d'émission: 1999


07/09/2012

As Figuras do Pedro (XXIV)

Betty Boop
 
Colecção: Betty Boop Show Collection
Figura: Betty Boop Cantora de Cabaré
Fabricante/Distribuidor: Salvat (Portugal e Brasil)
Número de figuras: 60
Material da figura: Resina pintada à mão
Altura: cerca de 13,5 cm
Preço: 1,99 € (1ª entrega), 4,99 € (2ª entrega); 8,99 (as restantes entregas). Cada entrega inclui uma figura diferente e um fascículo a cores de 16 páginas com informação sobre Betty Boop, uma página aos quadradinhos e um pouco da história dos EUA nos anos 30 (no fascículo #1 a construção do Empire State Building e o nascimento do famoso Cotton Club)
Nota final: edição conjunta para Portugal e Brasil, o que se por um lado é de saudar, faz com que neste número inaugural (pelo menos) tenha alguns textos em português e outros em brasileira o que, no mínimo, causa alguma estranheza ao leitor. De todo evitável era que a prancha de BD incluída no fascículo fosse reproduzida com o texto dos balões em inglês, com a tradução em português por baixo da página…

 

Um pouco de história

Frágil, elegante, olhos grandes, boquinha pequena, a formar beicinho, pernas bem torneadas, medidas exactas, ombros e pernas nuas, liga na perna esquerda, voz suave em que pronunciou vezes sem conta o famoso "boop-oop-a-doop".

Esta é a imagem de marca de Betty Boop que, se hoje pouco mais provoca do que um sorriso, quando chegou à BD, a 23 de Julho de 1934, em tiras diárias da autoria de Bud Couniham, possivelmente fez sonhar mais do que um leitor.
Esse foi, no entanto, o segundo nascimento da sensual pin-up dos anos 30, inspirada no visual da cantora Helen Kane, já que a sua estreia acontecera a 9 de Agosto de 1930, em versão animada, num filme intitulado "Dizzy Dishes", da autoria de Grim Natwick e Max Fleisher.
O que poucos sabem é que então era uma cadela (literalmente!), fazendo parceria com o cãozinho Bimbo, numa tentativa de emular o sucesso crescente e imparável do par Mickey e Minnie Mouse. Como a ideia não teve sucesso, a evolução para figura humana surgiu como alternativa, em filmes ambientados no meio cinematográfico, bem explícitos quanto ao tema sexo, com a cantora e actriz a usar vestidos bem curtos e, por vezes, até transparentes.
Depois de uma parceria com Popeye, em 1933, a entrada em vigor do Hays Act, uma lei censória que veio regulamentar e "limpar" o cinema e os quadradinhos, obrigou a despojar Betty Boop do carácter provocador e provocante que a distinguia, tornando-lhe a vida breve nos quadradinhos, marcados por um humor ingénuo. A tira diária terminou logo em Março de 1935 e as pranchas dominicais, iniciadas em Dezembro de 1934, resistiram apenas até Novembro de 1937.
Nos anos 80, ensaiou novo regresso à BD, em parceria com o (em tempos também) popular Felix the Cat, mas a experiência terminaria ao fim de quatro anos.
Hoje, quando muitos ignoram as suas origens animadas e desenhadas, esta septuagenária não é mais do que uma popular referência retro, usada e abusada em merchandising.

(Versão actualizada do texto publicado no Jornal de Notícias de 23 de Julho de 2009)

 

 

06/09/2012

El Eternauta

 
 
 
 
 
Edicion Especial 50º Aniversario
H. G. Oesterheld (argumento)
F. Solano Lopez (desenho)
Norma Editorial (Espanha, Dezembro de 2010)
280 x 220 mm, 368 p., pb, cartonado
22.00 €
 
 
 
1.       Na semana em que se completam 55 anos sobre a data original de publicação da sua primeira página, escrevo finalmente sobre uma leitura há muito prometida na caixa na coluna aqui ao lado (e há muito feita).
2.      Refiro-me a “El Eternauta”, um relato de ficção-científica, que a Argentina descobriu a partir de 4 de Setembro de 1957, nas páginas da revista “Hora Cero Semanal” (onde a pôde acompanhar ao ritmo de 7 pranchas semanais durante quase 2 anos) e também um dos grandes clássicos da BD mundial, cuja imagem de marca é um homem de olhar duro, vestido com um escafandro artesanal.
3.      Nesse início, Salvo, um escritor de BD (o próprio Oesterheld?) via materializar-se do nada, à sua frente, um homem que se anunciava como o Eternauta, um viajante do tempo, e que se propunha contar-lhe a sua história.
4.      É esse relato que nós, leitores, vamos ler a partir daí
5.      Um relato que nos leva a Buenos Aires, na Argentina – então num futuro muito próximo – numa noite fria na cidade onde raramente neva, em que uma estranha neve fosforescente cobriu toda a cidade. E se revelou mortal para qualquer ser vivo, aniquilando em pouco tempo a maioria da população da cidade.
6.      Os raros sobreviventes, foram a pouco e pouco tentando organizar-se, acabando por descobrir que o estranho fenómeno tinha ocorrido em todas as grandes metrópoles, tinha origem extraterrestre e antecipava uma invasão em massa ao nosso planeta.
7.      É verdade que lido hoje em dia, 55 anos depois da sua criação, El Eternauta não tem a mesma força e o mesmo impacto de então, essencialmente devido a dois factores fundamentais.
8.     O primeiro, o facto de muitos leitores da “Hora Cero” serem de Buenos Aires, centro de toda a acção, podendo identificar – e identificar-se com – a cidade, as suas artérias, as suas casas (os seus concidadãos ameaçados?) numa proximidade marcante e até incómoda, num tempo em que o mundo era bem mais pequeno (e mais distante), num tempo em que o mundo de cada um era o seu bairro, a sua cidade ou pouco mais,
9.      A segunda, advém do facto de o tempo ter deixado algumas marcas em El Eternauta, por isso, alguns dos conceitos utilizados, especialmente no que aos invasores e às suas armas diz respeito, são hoje, no mínimo ingénuos.
10.  Isso não invalida a força que o relato mantém, a capacidade de prender e de atemorizar o leitor que revela a escrita elegante e cativante de Oesterheld, apesar de algum classicismo, desde logo pela forma difusa e pouco clara como os invasores são mostrados ao longo das primeiras dezenas de pranchas, o que aumenta o medo e o terror que inspiram, redobrado pelo livre curso que é dado à imaginação do leitor para os valorizar.
11.   Depois, pela constante alternância entre os momentos de euforia ou de desilusão vividos pelos protagonistas, que tão depressa passam da quase certeza da vitória para a sensação da inevitabilidade da derrota.
12.  Igualmente pela tensão constante que perpassa todo o livro, resultante da situação desesperada e da ignorância quase total em que vivem os sobreviventes, entre os quais os choques, as discordâncias e os confrontos se multiplicam.
13.  Ainda pela mensagem política que Oesterheld transmite, umas vezes claramente, outras com mais subtileza.
14.  E, finalmente pelo final, soberbo, em aberto, que reequaciona toda a narrativa e mergulha o leitor numa dupla dúvida…
 
Nota final: Se a minha leitura foi feita a partir da edição espanhola da Norma Editorial, no Brasil a Martins Fontes disponibiliza “OEternauta” desde o início do ano, numa edição que me parece similar a esta, apenas com a troca do prefácio de Carlos Trillo pelo de Paulo Ramos, do Blog dos Quadrinhos.
 

05/09/2012

Turma da Mônica Jovem #44

 
 
 
 
 
 
 
 
Tesouro Verde (2ª parte)
Petra Leão (argumento)
Estúdios Maurício de Sousa (desenho)
Panini Comics (Brasil, Fevereiro e Março de 2012)
160 x 210 mm, 128 p., preto e branco, brochada, mensal
R$ 7,50 / 3,00 €
 
Resumo
Actualmente nas bancasportuguesas, esta revista conclui o arco iniciado na “Turma da Mônica Jovem” #43, na qual as versões adolescentes de Mônica, Cebolinha, Cascão, Magali e Franjinha, vivem uma aventura em conjunto com Kimba, o leão branco, AstroBoy, Safiri (de A Princesa e o Cavaleiro) e outros heróis criados pelo japonês Osamu Tezuka.
A aventura, que concretiza um projecto esboçado pelos dois autores nos anos 1980, leva as personagens dos dois até à Amazônia, para defrontarem traficantes de madeira.
 
Desenvolvimento
Qualquer crossover – como o actual – para funcionar tem que obedecer a um pressuposto simples: as personagens envolvidas têm que manter as suas identidades próprias e fazer sentido na relação umas com as outras e no enredo que as une.
E isso, sem qualquer dúvida é conseguido em “Tesouro Verde”, onde todos agem como o leitor esperaria, embora, naturalmente, o registo – na construção, no tipo de humor - esteja mais próximo do habitual em Maurício de Sousa – falta a crueldade e realismo habituais nos argumentos de Tezuka – o que não surpreende pois esta é uma produção original dos seus estúdios.
Por isso, também, se todos interagem naturalmente – de alguma forma foram agrupadas de acordo com as suas ambições e desejos – grande parte da narrativa baseia-se nos choques e/ou ligações que conseguem estabelecer. E se isto é positivo pois ajuda o leitor a integrar-se num modelo que, sem dúvida, foge ao habitual, acaba por limitar – e nalguns casos secundarizar – aquela que deveria ser a base narrativa.
Porque convém não esquecer, no âmago deste projecto está uma mensagem ecológica – actual e premente – centrada na Amazónia mas extensível a outros locais do planeta – ou mesmo a todo o planeta – que salienta a necessidade de uma utilização sustentada dos recursos naturais.
Apesar desse propósito óbvio, a história, de ritmo sustentado para que todos os elementos possam ser considerados e absorvidos, desenvolve-se em cenas paralelas que convergem para o inevitável confronto final, mas não sem algumas surpresas e inflexões no argumento.
Mesmo com os aspectos menos conseguidos apontados, no geral o conjunto funciona bem e poderá ter sido, quem sabe, o abrir de uma porta que no futuro proporcione outros cruzamentos entre a Turma da Mônica Jovem e heróis de outros universos…
 
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