Não
é a primeira vez que uma história de Tex tem base histórica, longe
disso, mas, na minha leitura, este foi um dos relatos do ranger em
que o peso dos factos históricos mais se fez notar e o tornou mais
consistente e contido.
Penso
que todos aqueles que leram na idade certa banda desenhada de
aventuras,
com heróis fixos -
franco-belga, Bonelli, super-heróis... - sonharam um dia com um
encontro entre (alguns d)eles.
Podendo
não parecer, conseguir num mesmo relato equilibrar o lado emocional,
o sentimental, uma investigação policial e até a aventura, é algo
extremamente difícil de conseguir para conseguir satisfazer os
diferentes leitores que procuram especificamente um ou outro dos
aspectos referidos. Giancarlo
Berardi, com Lorenzo Calza, consegue-o mais uma vez neste Júlia:
A chantagem do passado.
Hoje
em dia, quando se fala de banda desenhada popular, de certa forma
evocando um tempo em que ela se encontrava em generosas quantidades
nos quiosques, há um nome que vem logo à mente, o de Sergio Bonelli
e da editora italiana que leva o seu nome. Alicerçado no sucesso de
Tex, um western puro e duro em publicação ininterrupta desde 1948,
este editor milanês conseguiu criar um sistema editorial que permite
alimentar, sem grandes oscilações de qualidade, ao nível gráfico
e temático, as revistas de 100 páginas que mensalmente são
colocadas à venda.
Foi
uma sensação brusca e incómoda: durante a leitura deste Tex
Gigante, senti a história
estava partida a meio e que as duas partes (quase) faziam sentido em
separado.
Qualquer
série de banda desenhada (o que me interessa no presente caso)
obedece a um determinado número de regras e princípios. São
eles definem o que a série é, que lhe dão consistência e
continuidade e que permitem ao leitor saber o que deve esperar quando
se abeira dela - é isso que faz dele leitor fiel (ou não). Paradoxalmente,
a quebra dessas regras ou os desvios a esses princípios não são
necessariamente negativos e, nalguns casos, até podem (e)levar a sua
leitura a um outro nível.
Já
ouvi dizer - no alto da sua ignorância e/ou suposta superioridade -
que ‘os livros do Tex são todos iguais’ mas
parafraseando vocês sabem quem, apetece
escrever que na verdade ’há uns mais iguais do que
outros’. Que é como quem diz,
pela negativa - que neste caso, na verdade é pela positiva - que
alguns são bem diferentes, para melhor, como acontece com este
Tex, o implacável.
Se
em mercados em que a banda desenhada tem maior expressão e indústria
são vulgares obras sobre ela própria, os autores ou os heróis,
devido à pequena dimensão do mercado português são poucas as
obras com estas temáticas Uma
das excepções - e também uma das mais significativas - é Tex
- Mais que um herói, uma edição da
cooperativa A Seita, com assinatura de Mário João Marques, lançada
no final do ano passado.
Para
(leitores)
coleccionadores - para aqueles que em determinado momento das suas
vidas, geralmente n(o
final d)a
infância e adolescência (e
por aí fora),
colecciona(ra)m revistas de banda desenhada - há momentos -
editoriais - que fazem História e poder acompanhá-los - mesmo que a
alguma distância temporal
(na
verdade isto aconteceu há meses...)-
proporciona experiências que são inexplicáveis para quem nunca as
vivenciou. É
o que acontece - duplamente - com estas edições de Tex
que
hoje aqui trago -primeiras
de muitas, desejam os seguidores do ranger.
“Quem
conta um conto, acrescenta um ponto”, diz o provérbio e em Coney
Island, são vários os narradores, orquestrados pelo ‘narrador
supremo’, Gianfranco Manfredi (o mesmo de Mágico Vento).
O
Museu Vinho Bairrada, em Anadia, acolhe este fim-de-semana a 8.ª
Mostra do Clube Tex Portugal, dedicada ao western aos quadradinhos há
mais tempo em publicação ininterrupta. Autores
italianos Rossano Rossi e Dante Spada e o português João Amaral,
são os destaques.
É
um sinal de tempos mais ou menos recentes, o revisitar
das
origens de heróis da banda desenhada, e
não só para tentar tirar partido da sua popularidade e da sua
pertença ao imaginário colectivo. Este
tipo de exercício, feliz nalguns
casos, infeliz noutros,
comporta
sempre dois riscos: por um lado, quanto maior é a popularidade da
personagem revisitada, mais arriscado se torna mexer com o que
maravilhou
gerações; por outro lado, se
a
nova obra beneficia sempre
do
conhecimento prévio do original por
parte do leitor, também tem
que se apresentar autónoma
em
si mesma, para seduzir
quem
se aproxima dela virgem do tema. É
neste último aspecto que falha o volume final deste tríptico de Mister
No,
que
transpõe as suas deambulações para
25 anos depois do tempo em que o
situou o seu criador.
Demasiada
proximidade de uma personagem de ficção - no caso de banda
desenhada - tem um risco:
perdermos (alguma) noção da realidade e deixarmos
que ela, de alguma forma, entre na nossa vida e
se torne quase parte
da
nossa família. Risco
que se revela
acrescido, quando começamos a fantasiar (com)
situações
da
vida delas E que
a nossa, de leitores empedernidos,
já nos ensinou serem
irrealizáveis.
Nas
histórias de Julia Kendall, é normal que ela partilhe o
protagonismo com os criminosos que acabará por investigar. Menos
normal, penso eu - confesso que não fui verificar - é que lhes
entregue completamente a boca de cena, deixando-se ficar no fundo,
quase na sombra. Escrito
de outra forma, nas duas histórias deste volume, Julia apenas
aparece em 40 das 126 pranchas de A
gangue e
em 35 do segundo relato, O
quarto de pânico.
A Sergio
Bonelli Editore - como outras grandes editoras populares - volta e
meia 'marca' encontros entre os seus heróis - ou com heróis de
outras editoras, como aconteceu recentemente com a DC Comics - os
crossovers
que
garantem atenção mediática e a atenção redobrada dos fãs das
personagens envolvidas e... dos outros. Este
díptico -
La hacha encantada/La astronave de los seres perdidos - de
Martin Mystère. embora com características bem diferentes, de
alguma forma pode corporizar um género de crossover
diferente.