Grandes mudanças... inconsequentes
Demasiada proximidade de uma personagem de ficção - no caso de banda desenhada - tem um risco: perdermos (alguma) noção da realidade e deixarmos que ela, de alguma forma, entre na nossa vida e se torne quase parte da nossa família. Risco que se revela acrescido, quando começamos a fantasiar (com) situações da vida delas E que a nossa, de leitores empedernidos, já nos ensinou serem irrealizáveis.
Esta introdução, vem a propósito de A Soberba, a primeira viagem de Júlia Kendall a Génova, em Itália, para finalmente passar alguns dias de férias com Ettore, o seu actual namorado, para assim - de certo modo, também - avaliar da viabilidade da sua relação que, como sabemos nós, os tais ‘leitores empedernidos’ das investigações da criminóloga de Garden City, até agora existiu principalmente a distância, através do Skype.
Obviamente - já o intuíamos… - a visita turística e sentimental acaba por se transformar - de forma um pouco forçada…? - em mais um caso em que o investigador italiano e Júlia trocam informações e investigam juntos, enquanto o (projectado) aprofundamento da relação passa para segundo plano.
Nada que (nos) espante na verdade, se olharmos para trás retrospectivamente e lembrarmos o que já aconteceu com Alan Webb ou Tim O’Leary - ou nem sequer aconteceu (ainda?) com Leo Baxter, uma relação até agora sempre no plano platónico da amizade - ou se recordarmos como há alguns anos a Sergio Bonelli Editire travou uma outra iniciativa de Berardi que prometia grande impacto e mudanças profundas: uma gravidez de Júlia.
Neste momento - para mim, há pouco mais de um ano no Brasil, em 2015 em Itália, aquando da publicação original deste relato… - não duvidamos, com certeza, que esta é uma relação a prazo e que, ultrapassado este devaneio - tão humano, por isso Julia continua a cativar-nos - tudo voltará ao normal.
Porque, não podemos, esquecer que os heróis de papel - como afinal Julia também é - são-no enquanto mantêm determinadas características a que os leitores se habituaram - e afeiçoaram. No caso de Júlia, é impossível que deixe a sua vida solitária, com as aulas na universidade, a visita ao lar da avó, os regressos pontuais de Norma ou a colaboração nas investigações conduzidas pela polícia de Garden City, pois uma gravidez, uma efectiva relação a dois ou outra mudança substancial nessas rotinas iriam alterar a substância daquilo que Julia é - e o que representa para (nós,) os seus ‘leitores empedernidos’: uma criminóloga sensível e humana que, mais do que uma justa penalização, procura entrar na mente dos criminosos para compreender o que os levou aquele ponto de ruptura.
[Movido pela proximidade ‘tóxica’ quase esquecia de referir A casa da Múmia, a narrativa (bem mais conseguida) que abre esta edição, um mergulho interessante e desafiador na literatura e na mente dos escritores, aqui de alguma forma representados por um pouco mediático Bertrand Hayes, que salta para a ribalta quando uma derrocada repentina revela um cadáver mumificado nas paredes do edifício em que habita.]
J.
Kendall As aventuras de uma criminóloga #153
Inclui
Julia #196
e #197
(Itália, 2015)
A
casa
da Múmia
Giancarlo
Berardi e Lorenzo
Calza (argumento)
Claudio
Piccoli (desenho)
A
Soberba
G.
Berardi e Maurízio
Mantero (argumento)
Luigo
Copello
(desenho)
Mythos
Editora
Brasil,
Julho/Agosto
de
2021
135
x 180 mm, 256
p., pb, capa mole, bimestral
R$
25,90
(capa disponibilizada pela Mythos Editora; pranchas disponibilizadas pela Sergio Bonelli Editore; clicar nas imagens para as aproveitar em toda a sua extensão)
Sem comentários:
Enviar um comentário