Sedução do odioso
Eu percebo o óbvio da escrita, mas não consigo pô-lo de outra forma: Nestor Burma tem um ‘je ne sais pas quoi’ que nos seduz e atrai, apesar de ser um ser com muito de odioso e repugnante, com quem parece impossível estabelecer qualquer tipo de laço ou relação.
Longe do porte atlético e do belo palmo de cara de alguns dos seus congéneres do cinema e da literatura, sem os dotes dedutivos de um Nero Wolfe ou um Sherlock Holmes, não recorrendo sequer (ou raramente) à violência de um Mike Hammer - vocês, fãs de policiais como eu, sabem do que/de quem falo… - consegue, passando entre as balas e os golpes baixos, contornando as traições e as falsas pistas, chegar sempre ao culpado - ou pelo menos ao causador dos homicídios que investiga.
Talvez porque, na sua origem, o escritor Léo Malet o tenha usado como pretexto ou subterfúgio para traçar um retrato cinzento e desencantado de Paris, dos seus bairros miseráveis, dos seus subúrbios decadentes... e também da sua fauna mais colorida - e a evitar a todo o custo: gangsters, marginais, prostitutas, porteiros de hotéis rascas e empregados de bares de categoria duvidosa, advogados desonestos e homens de mão de políticos corruptos - e quase o ouvimos a perguntar se há outros…
Com esta base, neste universo bem definido, estranhamente fascinante e perigoso, Malet vai desenvolvendo as suas histórias que, no caso de(ste) O afrontoso cadáver da Plaine Monceau, já com Moynot perfeitamente à vontade na sua definição gráfica, arranca com o cadáver de uma futura cliente de Burma que não o chegou a ser (num intróito muito bem conseguido), e prossegue com patentes de um inventor, mais cadáveres, tráficos e mentiras, em mais uma história incómoda mas que não conseguimos largar antes do final.
Nestor
Bruma #3 O
afrontoso
cadáver da Plaine
Monceau
Emmanuel
Moynot
Gradiva
225
x 297 mm, 72 p., cor, capa dura
18,00
€
(imagens disponibilizadas pela Gradiva; clicar nesta ligação para ver mais pranchas ou nas aqui reproduzidas para as aproveitar em toda a sua extensão)
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