
Delcourt (França, Dezembro de 2009)
182 x 210 mm, 328 p., pb, brochado com badanas
Resumo
Autobiografia em banda desenhada, Sutures conta a infância e adolescência de David Small, a quem foi descoberto um quisto aos 11 anos, nos anos 1950, resultante de um tratamento intensivo com radiação, prescrito pelo pai, devido aos seus problemas de garganta, e que veio a resultar na perda das suas capacidades vocais.
Desenvolvimento
De uma (aparente) simplicidade desarmante, de leitura rápida, com longas sequências mudas e outras providas de muito pouco texto, Sutures conta diversos episódios da infância, adolescência e juventude de David Small, cartoonista em publicações como o New Yorker, o New York Times, o Washington Post, a Esquire ou a Playboy, mas mais conhecido como ilustrador de livros infantis.
Nesta estreia em banda desenhada, que não se adivinha pela mestria com que gere a planificação e o ritmo narrativo, grande parte dessa legibilidade extrema deve-se ao apuramento do seu traço, fino, por vezes esquemático, habituado que está a condensar o desenho o mais possível, apoiado em tons cinzentos dados a aguarela

E é assim que nos conta a sua história, num claro exercício de exorcismo pessoal, em que vai saltando de episódio para episódio. Todos marcantes, todos com uma enorme carga emocional, a que o leitor não consegue ficar indiferente. Não que o tom seja de lamúria, lamentação ou de exposição gratuita, mas porque o simples desfiar dos acontecimentos impressiona.
A primeira memória – subtítulo original perdido nesta tradução francesa - começa aos seis anos. David mostra-se e à sua família, constituída por uma mãe, dona de casa de poucas palavras, sem paciência, autoritária e incapaz de expressar afectos – reflexo da sua própria experiência com a sua mãe e avó de David?-, um pai, médico especialista em raios X, quase sempre ausente, e um irmão mais velho, claramente preferido pelos progenitores. Uma família disfuncional, em que se sente deslocado, mergulhando por isso nos mundos imaginários que os livros e a sua imaginação lhe proporcionam, comunicando muitas vezes por desenhos. Motivos de sobra para que tenha crescido (quase sempre) solitário, cada vez mais introvertido, mergulhado em silêncio – num triste prenúncio do que o destino lhe reservava. Uma existência difícil em que os únicos oásis foram o (pouco) tempo que passou com o avô materno, durante férias sazonais em que acompanhava a mãe.

Novo salto, até aos 14 anos, quando finalmente o quisto foi extraído e acabou por se revelar maligno, implicando uma segunda operação, da qual saiu sem as cordas vocais e com uma enorme (e inestética) cicatriz no pescoço, resultante da sutura que dá título ao livro. Tempo do qual guarda como memória – mais uma – a única vez (!) em que a mãe foi simpática com ele, embora de forma transitória. Mais exactamente durante o curto espaço de tempo em que acreditou que a segunda operação seria fatal…

De regresso a casa, agora ainda mais confinado a um silêncio - já não voluntário, provocado pela perda de voz e pela inestética cicatriz – David, encontra-se cada vez mais sozinho, cada vez mais mergulhado em si mesmo e no seu mundo, cada vez mais afastado dos pais que não tentaram – pelo contrário – qualquer gesto de aproximação, que não lhe revelaram, sequer que tinha tido um cancro. Mais um entre muitos segredos de que sempre rodearam David. Um cancro provocado ou, pelo menos, potenciado – tudo o indica – pelo excesso de radiação recebido ao longo dos anos, como o pai mais tarde lhe confessará. Como se aos olhos deles, para além de vítima fosse também culpado. Por isso, possivelmente, foi enviado para um colégio interno. Talvez para que os pais afastassem dos seus olhos o objecto que lhes podia inspirar um sentimento de culpa?
S


É verdade que faltou a Small aprofundar algumas questões que poderiam ajudar a dar mais consistência ao livro, em especial a sua relação (inexistente?) com o irmão ou as razões porque os pais eram incapazes de manifestar sentimentos e afectos, mas acabam por ser aspectos menores numa obra magnífica embora dolorosa, de uma enorme carga humana.
A reter
- O ritmo com que o autor dotou a narrativa
- A expressividade de algumas sequências mudas.
- A utilização de diversos registos gráficos para distinguir estados de espírito ou a dualidade realidade/sonho.
- A conseguida sequência da chuva – o seu significado… - nas páginas 255 a 262.
Menos conseguido

Curiosidades
- A versão original deste livro, Stitches: A Memoir (da editor norte-americana W.W. Norton), foi finalista do National Book Award em 2009, um prémio habitualmente concedido apenas a obras literárias, e chegou a estar no primeiro lugar da lista dos livros mais vendidos do The New York Times.
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