22/02/2011

Armazém Central

#3 – Os homens 
Régis Loisel e Jean-Louis Tripp (argumento e desenho)
Edições ASA (Portugal, Janeiro de 2011)
227 x 302 mm, 80 e 72 p., cor, capa cartonada
15,95 €



Resumo Com o regresso dos homens à aldeia, uma vez terminada a campanha de Inverno que os ocupava na floresta, o novo equilíbrio estabelecido na pequena povoação de Notre-Dame-des-Lacs com a chegada de Serge e a abertura do seu restaurante vai ser posto em causa, bem como a presença deste último. É tempo, então, de mulheres e homens assumirem posições, se bem que isso nem sempre seja fácil nem compreensível para uns e outros.

Desenvolvimento Loisel e Tripp, neste último tomo da primeira trilogia de Armazém Central, continuam a explanar o pequeno universo de uma povoação canadiana do início do século passada, (quase) isolada do resto do mundo e fechada sobre si própria, os seus relacionamentos, os seus problemas, as suas questões, as suas certezas (nunca questionadas). E, principalmente, abalá-lo profundamente pela chegada de Serge – e pelas reacções distintas que ela provoca - que representa, aqui, a novidade, a inovação, a diferença. Não obrigatoriamente o verme que entra na maçã e a apodrece – como se pode ler ao longo do álbum, nas reflexões do (falecido) marido de Marie, mas um elemento estranho que abala a comunidade, o seu equilíbrio, a sua estabilidade, que desperta dúvidas e sentimentos que até aí nem sequer se sabia que existiam – ciúme, inferioridade, dúvida, temor de perda do que era dado por certo… Não sem alguma ironia - que os autores reforçarão de forma inesperada no final deste tomo, de uma forma que eu não vou revelar – são as mulheres quem melhor aceita essa diferença, tentando tirar (tirando mesmo) – a vários níveis – o melhor partido dela. As mulheres e Gaëtan, o imbecil da aldeia… Nesse pequeno universo, se nos dois primeiros tomos parecia ter-se estabelecido um novo equilíbrio, a chegada dos homens – até aí donos e senhores - vai, mais uma vez, alterar tudo. Receosos do desconhecido, incomodados pelas mudanças que descobrem na aldeia, desconfiados do que é novidade, vão tomar uma atitude de força. Só que, ao contrário do esperado, as mulheres fazem-lhes frente, recusam obedecer; um clima de quase guerra civil – mais guerra de sexos, sem sexo! – instala-se então na aldeia. E afecta todos: o pároco que enfrenta uma crise de fé, afogada em bom licor de ameixa; Marie, desejosa de avançar na sua relação com Serge; as mulheres que querem alguma independência; os homens, de súbito perdido, inseguros e impotentes. E é dos sentimentos e reacções de cada um – e do todo que resulta num conjunto heterogéneo – que o álbum avança, num tom profundamente humano, reforçado pelo cuidado – o tempo – empregue na descrição de cada episódio – de cada pequeno nada, atrevo-me a dizer – seja a festa surpresa para Gaëtan, seja o parto de Alice, seja… Por isso, também, neste volume, mais uma vez longo e pausado, as diversas cenas decorrem a um ritmo calmo e ameno, que permite ao leitor meditar sobre o que se passa, tentar antever o que se seguirá, surpreender-se com o que afinal acontece. Se – juntos? - vão conseguir ou não reencontrar um equilíbrio – o antigo ou um novo que satisfaça a todos – não o vou dizer. Prefiro deixar o convite para que leiam esta bela BD, uma verdadeira análise sociológica a uma época em que havia tempo para pensar e reflectir – o que não é sinónimo que tudo fosse feito de forma pensada e reflectida! Uma chamada final de atenção para o desenho, onde a par das personagens semi-caricaturais mas credíveis, reconhecíveis, expressivas, há um fabuloso trabalho de iluminação em cada cena, tornada sombria ou luminosa conforme as necessidades narrativas, o que constitui (mais) uma mais-valia para um dos melhores títulos editados no nosso país nos últimos anos.

A reter - A notável sequência – quase muda – das páginas 58 e 59 em que Marie, relutante, hesitante, insegura, se oferece a Serge. Expressiva, sentida, emocionante, bela, comovente. - A riqueza expressiva da narrativa, não tanto nos textos escritos, que são relativamente poucos, mas naquilo que se pode ler e inferir nos rostos e nas atitudes de cada um dos intervenientes.

Menos conseguido - Os quatro anos que intermediaram entre o primeiro tomo e este. Esperemos que não seja necessários esperar tanto pelos três volumes restantes.

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