A propósito da recente reedição de A Pior Banda do Mundo, numa bela edição em capa dura e bom papel que faz jus ao conteúdo, recupero o texto BD para quem gosta de
ler mas pensa que não gosta de BD, que publiquei a 1 de Outubro de 2002 no
Jornal de Notícias, a propósito da edição – então – de A Pior Banda do Mundo: 1. O Quiosque da Utopia.
Para recordar já a seguir.
Há quem não leia –e não sabe o que perde.
Há quem só leia BD – e faz mal.
Há os que lêem todos os géneros – e só ganham com isso.
E há os que só lêem “literatura séria” – e fazem tão mal
como quem só lê BD.
Porque, como aqui escrevi há poucas semanas, a total
ignorância (por opção própria ou não) de um (qualquer) género narrativo ou
artístico, é penalizadora porque leva ao desconhecimento das obras (primas) nele
geradas.
Por (de)formação cultural, muitos teimam em ignorar a BD,
considerada género menor. A Pior Banda do
Mundo – 1. O quiosque da Utopia, de José Carlos Fernandes, devia desbravar
caminho em dois sentidos: levar a banda desenhada a um público (que, enganosamente,
se pensa) mais exigente e tornar o autor conhecido fora do meio em que trabalha
(e também por isso se aplaude a sua edição em Espanha e Brasil e, em breve, em
França e EUA).
A O quiosque da Utopia
pode-se aplicar o que Fernando Pessoa escreveu para a Coca-Cola: “Primeiro estranha-se, depois entranha-se”. Porque a
primeira impressão que a leitura deixa é, sem dúvida, estranheza. Desde logo,
pela forma como o álbum está construído, em histórias de duas páginas,
aparentemente independentes entre si, que uma leitura continuada e mais atenta
permite interligar para dar consistência a uma estranha cidade, sem nome, nem
época, que aos poucos se entranha em nós, e que alguém definiu como estando
entre a Nova Iorque de Ben Katchor, a Praga de Kafka e a Buenos Aires de José
Luís Borges.
E estas apenas são algumas das influências – digeridas e
assumidas – do autor, que exibe uma invejável bagagem cultural para lançar um
olhar crítico, irónico e demolidor sobre os tiques da nossa sociedade e do
nosso mundo “global”, através das estranhas personagens que se cruzam - ou
apenas coexistem – naquela cidade.
Como apresentação, o que fica escrito é muito pouco, por
isso desafio os que pensam que não gostam de BD, a descobrirem José Carlos
Fernandes. Não porque ele precise do reconhecimento desses outros leitores. Mas
porque – também – eles podem ganhar, se descobrirem um grande contador de
histórias, um excelente autor de BD. Ou, melhor, um excelente autor. Apenas.
A Pior Banda do Mundo Vol. 1
(compila os volumes 1 a 3 da
edição original: O Quiosque da Utopia, Museu Nacional do Acessório e do
Irrelevante e As Ruínas de Babel)
José Carlos Fernandes
Devir
Portugal, Maio de 2014
170 x 240 mm, 192 p., cor, cartonado
22,00 €
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